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9/5/2025
 
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Breve memória da Odontologia em Goiás

teste

Goyaz, no começo, era o caos. O primeiro pensamento do desbravador era retirar riquezas minerais. Explorar o chão. Amealhar riquezas. Tudo era a tristeza do sertão com suas solidões e distâncias. Vivia-se no improviso. Saúde, zero. Boca: Podre!

No século XVIII, apenas a penetração nos rincões onde o ouro brotava. Rápido esgotamento, o início de um processo social. Aos que ficavam, restavam pedras, duras pedras do destino. Preguiça, desalento, lentidão. “Febre e prostração”, como tão bem descreveu nosso saudoso Bernardo Élis Fleury de Campos Curado!

Em 1816, o pesquisador francês Auguste César Provençal de Saint-Hilaire esteve conhecendo a Província de Goyaz e relatou, em suas pesquisas, a pobreza em que vivia o povo, doente, sem dentes, desassistido; sendo que, em toda a grande extensão do que é, hoje, Goiás e Tocantins, só havia um médico em Vila Boa de Goyaz. Apenas um médico para todo o coração do Brasil e nenhum dentista! O próprio médico é que, em casos extremos, punha fora os cacos infeccionados dos primeiros goianos!

Era o grande Goyaz rural. Goyaz roça. Goyaz chão e terra. Os grandes latifúndios eram feudos que se sustentavam. A fazenda era o lócus da vida goiana. Sem médicos, sem dentistas; os dentes caindo um a um, ou tratados com “picumã” das fornalhas (fuligens da fumaça), colocadas nas locas dos dentes; bochechos com a rama da batata fervida com sal; bochechos de água morna com sal e fumo, que, segundo a sabedoria popular, curavam qualquer “trapizonga” na boca.

Na antiga Capital de Goiás, ainda em dias do século XIX, o “Boticário e Pharmacêutico” Francesco Perillo Junior, italiano, possuía uma “Botica” no Largo do Jardim de Vila Boa, no sobrado de esquina da Praça, com a Rua Direita. Nos casos mais graves, era ele que fazia as “distrações” de dentes, como falavam os matutos; arrancando raízes infeccionadas. Sua esposa Illydia Fleury de Campos Curado Perillo, em certos casos, era quem servia de ajudante.

Nos sertões perdidos “longe de todos os lugares” como ressaltou Cora Coralina, aparecia dentistas práticos que faziam serviços aos matutos e pessoas nas pequenas vilas, mergulhadas na solidão dos ermos e gerais de Goiás. Poucos eram os que acertavam.

Faziam serviços errados, sem critérios ou higiene; traziam dentaduras coletivas, verdadeiros mastodontes, com dentes enormes e desproporcionais, ficava uma “boca de cavalo” ou parecendo que o infeliz havia engolido o piano e deixado o teclado de fora. Esses dentes eram vendidos aos montes. “Eram baciadas de dentaduras”.

O “dentista” do sertão “mascateava dentaduras” pelas vilas de Goyaz. Um dos primeiros que se em notícia foi Juca de Azevedo, no arraial de Santana das Antas, hoje Anápolis, em 1899. Pelas vilas ele chegava e trazia dentes aos montes aos moradores do lugar. Experimentava-se até achar um que melhor se adequasse à boca!

Mas, aos poucos, bem vagarosamente, os profissionais foram aparecendo, formados fora do Estado. Um dos pioneiros no norte foi o destacado cidadão Antero Batista de Abreu Cordeiro, de Arraias, que viveu mais de cem anos de idade. Um homem de valor!

Também, Octávio Monteiro Guimarães, foi dentista formado pela Faculdade de Pharmácia e Odontologia de Goiás e que morava na Cidade de Goiás. Ele nasceu em Itaberaí em 1887 e faleceu em Goiânia em 1970. Foi também Deputado Estadual por várias legislaturas, Administrador da Recebedoria de Pilões, Diretor do Partido Democrata (Caiadista), organizador do PSP goiano, juntamente com Alfredo Nasser e também foi secretário de governo na gestão de Ozanah de Campos.

No ano de 1901, no governo de Xavier de Almeida, foi baixado um decreto que buscava regularizar a profissão dos dentistas práticos no sertão de Goyaz. Porém, as distâncias geográficas, as estradas intransitáveis na época das grandes chuvas, os rios caudalosos e sem pontes, a pobreza e os poucos servidores para tal fim, impediram a legalidade do ato.

O decreto foi assinado em 12 de março de 1901 no Gabinete do Palácio Conde dos Arcos na Cidade de Goyaz, em vista das diversas denúncias de morte de pessoas em cidades como Pouso Alto (Piracanjuba), Santa Cruz de Goyaz, Barro Preto (Trindade) e São Sebastião do Alemão (Palmeiras), vítimas de infecções causadas pelos tratamentos dos “dentistas”.

No ano de 1907, ao que se sabe, o primeiro goiano forma-se em Odontologia, na então capital Federal, Rio de Janeiro. Era João de Abreu, ilustre cidadão de Santa Maria de Taguatinga, antigo Norte goiano, filho de Josino de Abreu Caldeira e Ricarda de Alcântara e Silva. Nasceu em 1888 e faleceu em 1976. Também se formou em Direito. Ele foi, além de odontólogo, prefeito de Arraias, Constituinte de 1935, Deputado Estadual, deputado Federal, diretor-geral da Fazenda, chefe de polícia, procurador da Fazenda, vice-governador de Goiás, na gestão de José Feliciano Ferreira.

Foi ele, sem dúvida, o odontólogo goiano de maior expressão na vida pública de Goiás.

João de Abreu, em 1907, ao que se sabe, primeiro dentista formado em Goiás.

Pioneiro, João de Abreu fundou o jornal Odontiatra, em 1926, primeiro em todo o Brasil pela temática abordada na área da Odontologia. Nesse jornal colaboravam Brasil Di Ramos Caiado, Agnello Arlíngton Fleury Curado e Constâncio Gomes de Oliveira.

No Largo do Chafariz da Cidade de Goyaz, em 1920, foi construído um sobradinho para abrigar a “Faculdade de Pharmácia e Odontologia de Goyaz”, a primeira em nosso Estado, que funcionaria de 1924 a 1931, quando foi desativada, já que nascia a luta pela mudança da Capital para as proximidades da cidade de Campinas. Nesta Faculdade, centenas de profissionais foram formados e se constituíram em grandes nomes da área em Goiás no século XX.

Os fundadores da Faculdade de Pharmácia e Odontologia de Goiás foram Agnello Arlíngton Fleury Curado (1891-1966) e Brasil Di Ramos Caiado (1887-1958).

Agnello Arlíngton Fleury Curado nasceu em Corumbá de Goiás e faleceu em Goiânia. Foi professor do Lyceu de Goyaz, Escola Normal Oficial de Goiás, farmacêutico pioneiro em Goiânia e primeiro diretor da Faculdade de Odontologia de Goiânia, embrião da UFG. Brasil Di Ramos Caiado nasceu e faleceu na cidade de Goiás. Médico; foi Prefeito da Cidade de Goiás e Presidente do Estado nos anos de 1920.

A mulher pioneira da odontologia não somente em Goiás, mas na região de Goiânia, nascente Capital, foi a Irmã Kiliana, do Colégio Santa Clara de Campinas, fundado em 1922, onze anos antes do lançamento da Pedra Fundamental da nascente cidade. Essa freira Jesuita foi a dentista que atendeu às alunas internas e externas do Colégio Santa Clara, a comunidade da pequena Campinas e os primeiros forasteiros que chegaram para a construção de Goiânia.

No interior do Estado, a pioneira nos serviços não só farmacêuticos, mas odontológicos foi Guiomar de Grammond Machado (1901-1985), na então cidade de Santa Luzia de Goiás, hoje Luziânia. Como farmacêutica formada pela Escola de Minas, Guiomar tinha vastos conhecimentos e auxiliou a população da cidade. Ali foi primeira dama; já em Goiânia fundou a Faculdade de Farmácia e foi poeta, membro da Academia Feminina de Letras.

No ano de 1945, foi fundada em Goiânia outra Faculdade de Odontologia e Farmácia pela dedicação de tantos intelectuais como Agnello Fleury, Rômulo Rocha, Adelino Teixeira, João Teixeira Álvares Neto, José Leite Santana, Joel de Oliveira Lisboa, Joaquim Rodrigues Jardim, Agnello Fleury Filho. Na primeira formatura, foram diplomados 94 farmacêuticos e 101 odontólogos. Em 1960 essa instituição foi encampada pela UFG.

Fato interessante de nota também foram os oficiais dentistas convocados pela Força Expedicionária Brasileira, como Pracinhas de Guerra, muitos perderam a vida e outros a saúde, participando nos combates principalmente na Itália. Para legalização de suas situações posteriores, o deputado goiano, dr. Albatênio Caiado de Godoy, em 1947, fez valer-lhes as incorporações salariais em virtude do precioso serviço prestado com destemor.

Quando se fundou em Goiânia, nova capital do Estado a Faculdade de Odontologia, vários tipos de trabalho assistencial passaram a ser feitos em prol das sofridas bocas goianas. Um deles, digno de nota, aparece em 1963, há 50 anos, na assistência odontológica da Faculdade, na UFG, àquela época coordenada pelo dr. Célio Bizotto.

No final dos anos de 1960 há um desmembramento das Faculdades de Odontologia e Farmácia da UFG. Lidera a direção pela nova instituição o Professor Alpheu da Veiga Jardim, nascido na cidade de Goiás e falecido em Goiânia. Ele é patrono da Biblioteca do Campus Samambaia, da UFG.

Pelo interior foram brotando profissionais. Anápolis, antiga Santana das Antas, atuaram os dentistas Belmiro Ribeiro Filho, Orlando Campos, Agenor Santos, Benjamim Franklin de Araújo, José Gonçalves da Cruz, Olívia Silva (uma pioneira diplomada em Goiás), João Quinan, José Alonso, José Henrique de Oliveira, Washington Santos Perez e Cristalino Bernardino da Costa.

Em Nerópolis, antiga “Cerrado”, atuaram José Antonio dos Santos, Jerônimo Henrique Gonçalves e Arthur Ramos Negreiro. Em cidades menores, apenas um profissional atendia a todos, na distante década de 1930, como: Coriolano Santana Ramos (Souzânia); Nestor Ribeiro Borges (Goiatuba); Urbano Caetano Nascimento (Silvânia), Octacílio Albino Nascimento (Vianópolis), Joaquim Gonzaga de Menezes (Marzagão); Otílio Joaquim Rosa (Rio Verde); Elias Antonio (Ouvidor); José Marcelino dos Reis (Cristalina); Virgílio Vitorino (Goiandira); Romualdo Borges (Nova Aurora); Américo Ribeiro (Mosâmedes); João Bimbico (Iporá); Cirillo Pontes (Urutaí); Domingos de Andrade Queiroz (Itaberaí); Benedito Borges de Amorim (Jaraguá); Joaquim de Souza Martins (Palmeiras de Goiás); Alfredo da Costa Campos (Edéia); Astrogildo Camargo (Água Limpa); Salviano Guimarães Filho (Planaltina); João Prudente Sobrinho (Cristianópolis), Archimedes Batista Tormim (Luziânia); José Honório de Alcântara (Ribeirão), José da Cunha (Cumari). Haja boticão!

Outras cidades então mais prósperas já possuíam mais de um profissional como Bela Vista (Anicézio Machado e Joaquim Faleiros); Caldas Novas (Ofélio Silva e Filadélfio Rispoli); Orizona (Hipólito Cunha, Leandro Teixeira e Edmundo Marinho); Catalão (Li de Araújo, Enéas Fonseca, Miguel Jorge Azzi, Romeu Paranhos); Corumbá de Goiás (Raul Cruvinel e Jerônimo José de Campos Curado Fleury); Corumbaíba (Vicente Rodrigues e Teófilo Correia); Formosa (Evandro Americano do Brasil e Leone Almeida Campos); Inhumas (Lourival Rodrigues e Gustavo Adolfo Humberto); Ipameri (Arthur Ankerkrone, Anísio Alkimin, Demóstenes Cristino e Antonio Carneiro de Mendonça); Jataí (Waldomiro Rodrigues, Balduino França); Mineiros (Antonio Getúlio Silva e Sady Carnot Irineu); Morrinhos (Jurinê Guarani Costa, Justo Barbosa Diniz); Anicuns (Elias de Oliveira e Saint’clair Rodrigues Souza); Pirenópolis (Luis Aquino Alves, Wilson Pompêo de Pina); Piracanjuba (João Batista de Amorim e Francisco Paulo Soares); Pires do Rio (Elias Coutinho, Eurico Vilela), Itumbiara (Benjamim Prates Cotrin, João Magalhães Bastos, Orcalino Siqueira) e Trindade (Clóvis Carneiro e Coriolano Martins Silva).

Um fato curioso é que Goiânia, cidade jovem para a época, já havia 40 dentistas atuando: Bernardo Albernaz, Joaquim Jardim, Latif Sebba, José Perillo, Orivaldo Leão, Carlos Carneiro, Joaquim Cordeiro, Décio Balduino, Joaquim Fleury, Osvaldo Gomes, Ataulfo Ferreira, Manuel Couto Brandão, Aristodemus Jácomo, Moacir Cícero, José Peixoto, Braulino Lobo, Isaac Thomé, Thales Paranhos, Euclides Vieira, Francisco Camargo, João Cruvinel, Mário Ribeiro, Antenodorino Borges, Djalma Gusmão, Oliveira Mendonça, Osvaldo Silva, Gil Lima, Alfeu Veiga Jardim, Laudemiro Alaor, Erasmo Félix, Irineu Cardoso, João Chagas Carvalho, Célio Bizzoto, Joaquim Raimundo, Jerônimo Barbosa, Jerônimo Timóteo Rui Cruvinel, Joaquim Augusto Carvalho.

Nesta enumeração, o registro histórico dos que atuaram nessa profissão no passado e, como curiosidade, se em Goiânia havia 40 dentistas, na velha Capital, Cidade de Goiás, restaram apenas quatro: Francisco da Veiga Jardim, Benedito José da Costa, João de Oliveira e Iron de Amorim.

Que os vilaboenses ficassem com a boca podre, era o ditado corrente, pois difamavam as obras da nova capital...

Mesmo na linguagem do povo, em especial o goiano, os termos relacionados à boca são expressões de nossa coloquialidade e de nosso folclore. Muitos são curiosos e engraçados: Boca do lixo, boca de lata, boca maldita, boca excomungada, boca de siri, bocada, “aproveitar a boca”, boquinha fechada, boca santa, “bate nessa boca”, boca mole, boca de sandália, boca livre, boca fedida, “falar essa boca não é minha”, bate-boca, “abrir a boca no mundo”, “arrebentar a boca”, “estar na boca do povo”, “estar nas bocas”, “botar a boca no trombone”, “fazer uma boquinha”, boquiaberto, “fecha essa boca”, “em boca fechada não entra mosca”, “bater a boca no pó e rezar”, “quem tem boca vai a Roma” “comprar o da boca”, (adquirir o que de comer), “coisas da boca” (mantimentos).

Relacionados ao termo língua, temos: Língua afiada, língua de trapo, língua maldita, “meter a língua nos outros”, língua solta, linguarudo, “dar com a língua nos dentes”, “baixar a língua”, “língua é o chicote da bunda”, “língua não tem osso, mas pode comprometer o pescoço”; “não ter papas na língua”.

Do folclore da boca ainda aparecem quanto ao ato de comer ou engolir: “Comer pelas beiradas”, “come quieto”, “engolir sapo”, “engolir cobras e lagartos”, “descer um sapo pela goela”, “esgoelado”, “esgabilado”, “Deus quando arranca os dentes, alarga a goela”.

Relacionados ao hálito, seguem: Bafo de onça, bafo de bode, bafo de urubu, bafo de pinga, bafo de múmia, bafo de bosta. Também relacionados à saliva, aparecem: Baba, “babar o ovo”, baba de quiabo, “cuspido e escarrado”, babona, babeira, babação, “babar na gravata”, “cuspir fogo”, “cuspir marimbondo”, “cuspir no prato que come”. Quanto aos lábios, surgem: Beiço, beiçudo, “ficar de beiço”, tromba de elefante, bico, bicudo.

Quanto ao ato de morder, aparecem: “morder a fronha”, “morde e assopra”, “morde igual cachorro louco”, “amanheceu mordendo a sombra”.

Quanto à fala, também são recorrentes: “Falar abobrinha”, “conversar borracha”, “falar demais”, fala mansa, fala fina, falar pelos cotovelos, “falou e disse”, “falou meu”, “falou tá falado”, faltar com a palavra, conversa fiada, conversa pra boi dormir, “fala mais que o homem da cobra”, “fala mais que a negra do leite”, conversinha, conversê, falação, “quem fala muito dá bom dia a cavalo”, “jogar conversa fora”, lenga-lenga, lero-lero, “levar na conversa”, “puxar conversa”, chaleirar, xavecar, xeretar, zuada. “Quem cala, consente”. “Falar é fácil!”, fala fina, fala mansa.

A dor de dentes também encontra expressão coloquial: “Pior que dor de dente”; “pior que dente afiado”; “sogra tinha que ter só dois dentes: um para a gente abrir a cerveja, outro para doer a noite inteira”. “Esse dá dor de dente em serrote”. “Essa dá dor de dente em banguela”. “Vou quebrar seus dentes”!.

Na lembrança da Odontologia em Goiás, o reconhecimento a todos os profissionais que, diariamente, embelezam bocas e traduzem sorrisos por esse Goiás de meu Deus!

(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, graduado em Letras e Linguística/UFG, mestre em Literatura/UFG, mestre em Geografia/UFG, doutorando em Geografia/UFG, escritor, professor, poeta, e-mail: bentofleury@hotmail.com)

Fonte: DM

Goyaz, no começo, era o caos. O primeiro pensamento do desbravador era retirar riquezas minerais. Explorar o chão. Amealhar riquezas. Tudo era a tristeza do sertão com suas solidões e distâncias. Vivia-se no improviso. Saúde, zero. Boca: Podre!

No século XVIII, apenas a penetração nos rincões onde o ouro brotava. Rápido esgotamento, o início de um processo social. Aos que ficavam, restavam pedras, duras pedras do destino. Preguiça, desalento, lentidão. “Febre e prostração”, como tão bem descreveu nosso saudoso Bernardo Élis Fleury de Campos Curado!

Em 1816, o pesquisador francês Auguste César Provençal de Saint-Hilaire esteve conhecendo a Província de Goyaz e relatou, em suas pesquisas, a pobreza em que vivia o povo, doente, sem dentes, desassistido; sendo que, em toda a grande extensão do que é, hoje, Goiás e Tocantins, só havia um médico em Vila Boa de Goyaz. Apenas um médico para todo o coração do Brasil e nenhum dentista! O próprio médico é que, em casos extremos, punha fora os cacos infeccionados dos primeiros goianos!

Era o grande Goyaz rural. Goyaz roça. Goyaz chão e terra. Os grandes latifúndios eram feudos que se sustentavam. A fazenda era o lócus da vida goiana. Sem médicos, sem dentistas; os dentes caindo um a um, ou tratados com “picumã” das fornalhas (fuligens da fumaça), colocadas nas locas dos dentes; bochechos com a rama da batata fervida com sal; bochechos de água morna com sal e fumo, que, segundo a sabedoria popular, curavam qualquer “trapizonga” na boca.

Na antiga Capital de Goiás, ainda em dias do século XIX, o “Boticário e Pharmacêutico” Francesco Perillo Junior, italiano, possuía uma “Botica” no Largo do Jardim de Vila Boa, no sobrado de esquina da Praça, com a Rua Direita. Nos casos mais graves, era ele que fazia as “distrações” de dentes, como falavam os matutos; arrancando raízes infeccionadas. Sua esposa Illydia Fleury de Campos Curado Perillo, em certos casos, era quem servia de ajudante.

Nos sertões perdidos “longe de todos os lugares” como ressaltou Cora Coralina, aparecia dentistas práticos que faziam serviços aos matutos e pessoas nas pequenas vilas, mergulhadas na solidão dos ermos e gerais de Goiás. Poucos eram os que acertavam.

Faziam serviços errados, sem critérios ou higiene; traziam dentaduras coletivas, verdadeiros mastodontes, com dentes enormes e desproporcionais, ficava uma “boca de cavalo” ou parecendo que o infeliz havia engolido o piano e deixado o teclado de fora. Esses dentes eram vendidos aos montes. “Eram baciadas de dentaduras”.

O “dentista” do sertão “mascateava dentaduras” pelas vilas de Goyaz. Um dos primeiros que se em notícia foi Juca de Azevedo, no arraial de Santana das Antas, hoje Anápolis, em 1899. Pelas vilas ele chegava e trazia dentes aos montes aos moradores do lugar. Experimentava-se até achar um que melhor se adequasse à boca!

Mas, aos poucos, bem vagarosamente, os profissionais foram aparecendo, formados fora do Estado. Um dos pioneiros no norte foi o destacado cidadão Antero Batista de Abreu Cordeiro, de Arraias, que viveu mais de cem anos de idade. Um homem de valor!

Também, Octávio Monteiro Guimarães, foi dentista formado pela Faculdade de Pharmácia e Odontologia de Goiás e que morava na Cidade de Goiás. Ele nasceu em Itaberaí em 1887 e faleceu em Goiânia em 1970. Foi também Deputado Estadual por várias legislaturas, Administrador da Recebedoria de Pilões, Diretor do Partido Democrata (Caiadista), organizador do PSP goiano, juntamente com Alfredo Nasser e também foi secretário de governo na gestão de Ozanah de Campos.

No ano de 1901, no governo de Xavier de Almeida, foi baixado um decreto que buscava regularizar a profissão dos dentistas práticos no sertão de Goyaz. Porém, as distâncias geográficas, as estradas intransitáveis na época das grandes chuvas, os rios caudalosos e sem pontes, a pobreza e os poucos servidores para tal fim, impediram a legalidade do ato.

O decreto foi assinado em 12 de março de 1901 no Gabinete do Palácio Conde dos Arcos na Cidade de Goyaz, em vista das diversas denúncias de morte de pessoas em cidades como Pouso Alto (Piracanjuba), Santa Cruz de Goyaz, Barro Preto (Trindade) e São Sebastião do Alemão (Palmeiras), vítimas de infecções causadas pelos tratamentos dos “dentistas”.

No ano de 1907, ao que se sabe, o primeiro goiano forma-se em Odontologia, na então capital Federal, Rio de Janeiro. Era João de Abreu, ilustre cidadão de Santa Maria de Taguatinga, antigo Norte goiano, filho de Josino de Abreu Caldeira e Ricarda de Alcântara e Silva. Nasceu em 1888 e faleceu em 1976. Também se formou em Direito. Ele foi, além de odontólogo, prefeito de Arraias, Constituinte de 1935, Deputado Estadual, deputado Federal, diretor-geral da Fazenda, chefe de polícia, procurador da Fazenda, vice-governador de Goiás, na gestão de José Feliciano Ferreira.

Foi ele, sem dúvida, o odontólogo goiano de maior expressão na vida pública de Goiás.

João de Abreu, em 1907, ao que se sabe, primeiro dentista formado em Goiás.

Pioneiro, João de Abreu fundou o jornal Odontiatra, em 1926, primeiro em todo o Brasil pela temática abordada na área da Odontologia. Nesse jornal colaboravam Brasil Di Ramos Caiado, Agnello Arlíngton Fleury Curado e Constâncio Gomes de Oliveira.

No Largo do Chafariz da Cidade de Goyaz, em 1920, foi construído um sobradinho para abrigar a “Faculdade de Pharmácia e Odontologia de Goyaz”, a primeira em nosso Estado, que funcionaria de 1924 a 1931, quando foi desativada, já que nascia a luta pela mudança da Capital para as proximidades da cidade de Campinas. Nesta Faculdade, centenas de profissionais foram formados e se constituíram em grandes nomes da área em Goiás no século XX.

Os fundadores da Faculdade de Pharmácia e Odontologia de Goiás foram Agnello Arlíngton Fleury Curado (1891-1966) e Brasil Di Ramos Caiado (1887-1958).

Agnello Arlíngton Fleury Curado nasceu em Corumbá de Goiás e faleceu em Goiânia. Foi professor do Lyceu de Goyaz, Escola Normal Oficial de Goiás, farmacêutico pioneiro em Goiânia e primeiro diretor da Faculdade de Odontologia de Goiânia, embrião da UFG. Brasil Di Ramos Caiado nasceu e faleceu na cidade de Goiás. Médico; foi Prefeito da Cidade de Goiás e Presidente do Estado nos anos de 1920.

A mulher pioneira da odontologia não somente em Goiás, mas na região de Goiânia, nascente Capital, foi a Irmã Kiliana, do Colégio Santa Clara de Campinas, fundado em 1922, onze anos antes do lançamento da Pedra Fundamental da nascente cidade. Essa freira Jesuita foi a dentista que atendeu às alunas internas e externas do Colégio Santa Clara, a comunidade da pequena Campinas e os primeiros forasteiros que chegaram para a construção de Goiânia.

No interior do Estado, a pioneira nos serviços não só farmacêuticos, mas odontológicos foi Guiomar de Grammond Machado (1901-1985), na então cidade de Santa Luzia de Goiás, hoje Luziânia. Como farmacêutica formada pela Escola de Minas, Guiomar tinha vastos conhecimentos e auxiliou a população da cidade. Ali foi primeira dama; já em Goiânia fundou a Faculdade de Farmácia e foi poeta, membro da Academia Feminina de Letras.

No ano de 1945, foi fundada em Goiânia outra Faculdade de Odontologia e Farmácia pela dedicação de tantos intelectuais como Agnello Fleury, Rômulo Rocha, Adelino Teixeira, João Teixeira Álvares Neto, José Leite Santana, Joel de Oliveira Lisboa, Joaquim Rodrigues Jardim, Agnello Fleury Filho. Na primeira formatura, foram diplomados 94 farmacêuticos e 101 odontólogos. Em 1960 essa instituição foi encampada pela UFG.

Fato interessante de nota também foram os oficiais dentistas convocados pela Força Expedicionária Brasileira, como Pracinhas de Guerra, muitos perderam a vida e outros a saúde, participando nos combates principalmente na Itália. Para legalização de suas situações posteriores, o deputado goiano, dr. Albatênio Caiado de Godoy, em 1947, fez valer-lhes as incorporações salariais em virtude do precioso serviço prestado com destemor.

Quando se fundou em Goiânia, nova capital do Estado a Faculdade de Odontologia, vários tipos de trabalho assistencial passaram a ser feitos em prol das sofridas bocas goianas. Um deles, digno de nota, aparece em 1963, há 50 anos, na assistência odontológica da Faculdade, na UFG, àquela época coordenada pelo dr. Célio Bizotto.

No final dos anos de 1960 há um desmembramento das Faculdades de Odontologia e Farmácia da UFG. Lidera a direção pela nova instituição o Professor Alpheu da Veiga Jardim, nascido na cidade de Goiás e falecido em Goiânia. Ele é patrono da Biblioteca do Campus Samambaia, da UFG.

Pelo interior foram brotando profissionais. Anápolis, antiga Santana das Antas, atuaram os dentistas Belmiro Ribeiro Filho, Orlando Campos, Agenor Santos, Benjamim Franklin de Araújo, José Gonçalves da Cruz, Olívia Silva (uma pioneira diplomada em Goiás), João Quinan, José Alonso, José Henrique de Oliveira, Washington Santos Perez e Cristalino Bernardino da Costa.

Em Nerópolis, antiga “Cerrado”, atuaram José Antonio dos Santos, Jerônimo Henrique Gonçalves e Arthur Ramos Negreiro. Em cidades menores, apenas um profissional atendia a todos, na distante década de 1930, como: Coriolano Santana Ramos (Souzânia); Nestor Ribeiro Borges (Goiatuba); Urbano Caetano Nascimento (Silvânia), Octacílio Albino Nascimento (Vianópolis), Joaquim Gonzaga de Menezes (Marzagão); Otílio Joaquim Rosa (Rio Verde); Elias Antonio (Ouvidor); José Marcelino dos Reis (Cristalina); Virgílio Vitorino (Goiandira); Romualdo Borges (Nova Aurora); Américo Ribeiro (Mosâmedes); João Bimbico (Iporá); Cirillo Pontes (Urutaí); Domingos de Andrade Queiroz (Itaberaí); Benedito Borges de Amorim (Jaraguá); Joaquim de Souza Martins (Palmeiras de Goiás); Alfredo da Costa Campos (Edéia); Astrogildo Camargo (Água Limpa); Salviano Guimarães Filho (Planaltina); João Prudente Sobrinho (Cristianópolis), Archimedes Batista Tormim (Luziânia); José Honório de Alcântara (Ribeirão), José da Cunha (Cumari). Haja boticão!

Outras cidades então mais prósperas já possuíam mais de um profissional como Bela Vista (Anicézio Machado e Joaquim Faleiros); Caldas Novas (Ofélio Silva e Filadélfio Rispoli); Orizona (Hipólito Cunha, Leandro Teixeira e Edmundo Marinho); Catalão (Li de Araújo, Enéas Fonseca, Miguel Jorge Azzi, Romeu Paranhos); Corumbá de Goiás (Raul Cruvinel e Jerônimo José de Campos Curado Fleury); Corumbaíba (Vicente Rodrigues e Teófilo Correia); Formosa (Evandro Americano do Brasil e Leone Almeida Campos); Inhumas (Lourival Rodrigues e Gustavo Adolfo Humberto); Ipameri (Arthur Ankerkrone, Anísio Alkimin, Demóstenes Cristino e Antonio Carneiro de Mendonça); Jataí (Waldomiro Rodrigues, Balduino França); Mineiros (Antonio Getúlio Silva e Sady Carnot Irineu); Morrinhos (Jurinê Guarani Costa, Justo Barbosa Diniz); Anicuns (Elias de Oliveira e Saint’clair Rodrigues Souza); Pirenópolis (Luis Aquino Alves, Wilson Pompêo de Pina); Piracanjuba (João Batista de Amorim e Francisco Paulo Soares); Pires do Rio (Elias Coutinho, Eurico Vilela), Itumbiara (Benjamim Prates Cotrin, João Magalhães Bastos, Orcalino Siqueira) e Trindade (Clóvis Carneiro e Coriolano Martins Silva).

Um fato curioso é que Goiânia, cidade jovem para a época, já havia 40 dentistas atuando: Bernardo Albernaz, Joaquim Jardim, Latif Sebba, José Perillo, Orivaldo Leão, Carlos Carneiro, Joaquim Cordeiro, Décio Balduino, Joaquim Fleury, Osvaldo Gomes, Ataulfo Ferreira, Manuel Couto Brandão, Aristodemus Jácomo, Moacir Cícero, José Peixoto, Braulino Lobo, Isaac Thomé, Thales Paranhos, Euclides Vieira, Francisco Camargo, João Cruvinel, Mário Ribeiro, Antenodorino Borges, Djalma Gusmão, Oliveira Mendonça, Osvaldo Silva, Gil Lima, Alfeu Veiga Jardim, Laudemiro Alaor, Erasmo Félix, Irineu Cardoso, João Chagas Carvalho, Célio Bizzoto, Joaquim Raimundo, Jerônimo Barbosa, Jerônimo Timóteo Rui Cruvinel, Joaquim Augusto Carvalho.

Nesta enumeração, o registro histórico dos que atuaram nessa profissão no passado e, como curiosidade, se em Goiânia havia 40 dentistas, na velha Capital, Cidade de Goiás, restaram apenas quatro: Francisco da Veiga Jardim, Benedito José da Costa, João de Oliveira e Iron de Amorim.

Que os vilaboenses ficassem com a boca podre, era o ditado corrente, pois difamavam as obras da nova capital...

Mesmo na linguagem do povo, em especial o goiano, os termos relacionados à boca são expressões de nossa coloquialidade e de nosso folclore. Muitos são curiosos e engraçados: Boca do lixo, boca de lata, boca maldita, boca excomungada, boca de siri, bocada, “aproveitar a boca”, boquinha fechada, boca santa, “bate nessa boca”, boca mole, boca de sandália, boca livre, boca fedida, “falar essa boca não é minha”, bate-boca, “abrir a boca no mundo”, “arrebentar a boca”, “estar na boca do povo”, “estar nas bocas”, “botar a boca no trombone”, “fazer uma boquinha”, boquiaberto, “fecha essa boca”, “em boca fechada não entra mosca”, “bater a boca no pó e rezar”, “quem tem boca vai a Roma” “comprar o da boca”, (adquirir o que de comer), “coisas da boca” (mantimentos).

Relacionados ao termo língua, temos: Língua afiada, língua de trapo, língua maldita, “meter a língua nos outros”, língua solta, linguarudo, “dar com a língua nos dentes”, “baixar a língua”, “língua é o chicote da bunda”, “língua não tem osso, mas pode comprometer o pescoço”; “não ter papas na língua”.

Do folclore da boca ainda aparecem quanto ao ato de comer ou engolir: “Comer pelas beiradas”, “come quieto”, “engolir sapo”, “engolir cobras e lagartos”, “descer um sapo pela goela”, “esgoelado”, “esgabilado”, “Deus quando arranca os dentes, alarga a goela”.

Relacionados ao hálito, seguem: Bafo de onça, bafo de bode, bafo de urubu, bafo de pinga, bafo de múmia, bafo de bosta. Também relacionados à saliva, aparecem: Baba, “babar o ovo”, baba de quiabo, “cuspido e escarrado”, babona, babeira, babação, “babar na gravata”, “cuspir fogo”, “cuspir marimbondo”, “cuspir no prato que come”. Quanto aos lábios, surgem: Beiço, beiçudo, “ficar de beiço”, tromba de elefante, bico, bicudo.

Quanto ao ato de morder, aparecem: “morder a fronha”, “morde e assopra”, “morde igual cachorro louco”, “amanheceu mordendo a sombra”.

Quanto à fala, também são recorrentes: “Falar abobrinha”, “conversar borracha”, “falar demais”, fala mansa, fala fina, falar pelos cotovelos, “falou e disse”, “falou meu”, “falou tá falado”, faltar com a palavra, conversa fiada, conversa pra boi dormir, “fala mais que o homem da cobra”, “fala mais que a negra do leite”, conversinha, conversê, falação, “quem fala muito dá bom dia a cavalo”, “jogar conversa fora”, lenga-lenga, lero-lero, “levar na conversa”, “puxar conversa”, chaleirar, xavecar, xeretar, zuada. “Quem cala, consente”. “Falar é fácil!”, fala fina, fala mansa.

A dor de dentes também encontra expressão coloquial: “Pior que dor de dente”; “pior que dente afiado”; “sogra tinha que ter só dois dentes: um para a gente abrir a cerveja, outro para doer a noite inteira”. “Esse dá dor de dente em serrote”. “Essa dá dor de dente em banguela”. “Vou quebrar seus dentes”!.

Na lembrança da Odontologia em Goiás, o reconhecimento a todos os profissionais que, diariamente, embelezam bocas e traduzem sorrisos por esse Goiás de meu Deus!

(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, graduado em Letras e Linguística/UFG, mestre em Literatura/UFG, mestre em Geografia/UFG, doutorando em Geografia/UFG, escritor, professor, poeta, e-mail: bentofleury@hotmail.com)

Fonte: DM

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