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Estudos com dentes de múmia abrem frente para arqueologia e ciência forense

 

Trabalho sobre fluorose também pode enriquecer investigações nas áreas da antropologia e da paleontologia

Durante estudo sobre fluorose, a dentista Isabel Maria Porto, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Unicamp, constatou  que  proteínas de esmalte de dentes de múmias podem contribuir para informações sobre a idade e condições ambientais de fósseis,  além  de  identificação de sexo em casos judiciais. A pesquisa da dentista, feita com múmias peruanas, pode enriquecer investigações nas áreas de ciência forense, antropologia, arqueologia e paleontologia. De acordo com a pesquisadora, a técnica permitiu caracterizar e sequenciar os aminoácidos de amelogenina (proteína presente no esmalte dos dentes), que possui diferentes sequências nos cromossomos sexuais X e Y.

As amostras, emprestadas da Universidade da Flórida do Sul, nos Estados Unidos, foram objeto de tese em que Isabel testou as vantagens da técnica de microataque ácido superficial com ácido clorídrico 10%. Os dentes de múmia apontaram para novas utilidades da técnica de microataque ácido, utilizada inicialmente na caracterização de esmalte de dentes extraídos de pacientes que tiveram fuorose (doença consequente do excesso de fúor no esmalte). A eficiência da técnica na extração de proteína de esmalte dental maduro (seco) foi observada conforme os avanços da tese, afrma a pesquisadora. “Tivemos acesso aos dentes de múmias no meio da pesquisa e, ao usar a técnica nesses esmaltes maduros, constatamos que a tese poderia dar contribuição para outras áreas, como a ciência forense, a antropologia, a arqueologia e a paleontologia. Então nos dedicamos à pesquisa com esmalte maduro”, explica.

Sendo assim, as condições ambientais a que estiveram submetidos fósseis estudados por arqueólogos, antropólogos e paleontólogos podem ser determinadas pelo esmalte dental. “A técnica pode oferecer elementos para enriquecer investigações nessas áreas”, diz Isabel. De acordo com a pesquisadora, devido ao seu alto grau de mineralização, o esmalte dental é o tecido que melhor preserva as proteínas por longos períodos, particularmente em ambientes secos, por isso é um bom material para se estudar isótopos no campo da antropologia, paleontologia e arqueologia.

No período pós-morte, o esmalte que possui mais de 95% do mineral preserva melhor as proteínas, o que, também na ciência forense, o torna mais vantajoso em relação à identificação de corpos carbonizados em relação aos ossos, que possuem menos de 40% de minerais, segundo Isabel.

Um aspecto interessante,  de acordo com a pesquisadora, é que as  taxas  de  isótopos  de  carbono, nitrogênio  e  oxigênio,  formados em  diferentes  épocas,  preservam mudanças  nas  condições  ambientais  locais  e  na  dieta  de  animais e  hominídeos.  Diante disso,  a possibilidade  de  obter  amostras de diferentes  camadas do  esmalte também facilita a análise de microelementos em  remanescentes arqueológicos. Segundo a pesquisadora, estudos anteriores já haviam determinado as taxas de isótopos de estrôncio em amostras de esmalte.

Outra característica interessante do esmalte, de acordo com Isabel, é  ue, por ser produzido durante tantos anos, em humanos contemporâneos, as marcas isotópicas encontradas no esmalte em diferentes épocas  revelam  informações  dos componentes da dieta desde o nascimento até aproximadamente os 17 anos de idade.

Além  da  vantagem  de  ser  eficiente tanto na análise de isótopos de esmalte imaturo quanto maduro, a  técnica supera as anteriores pela possibilidade de conservação da amostra pesquisada. Como os procedimentos com microataque precisam somente das camadas superficiais do esmalte para a análise, isso evita prejuízo à integridade do tecido. A extração de esmalte por meio da técnica com ácido tricloroacético desenvolvida anteriormente pode ocasionar a deterioração da coroa, mas a técnica de imersão da coroa total de dente humano em ácido clorídrico utilizada na tese foi eficiente na análise das proteínas do esmalte de dentes humanos com fuorose, segundo a pesquisadora. “Por utilizar a técnica com ácido clorídrico 10%, agora vamos devolver as amostras para a Universidade da Flórida para que outros pesquisadores possam utilizá-las. Além disso, a técnica é de  fácil manuseio”, afirma Isabel.

Os procedimentos de microataque também são eficientes em gerar amostras de esmalte adequadas para  a  análise proteica,  reduzindo drasticamente a necessidade de uma massa  inicial  grande  de  esmalte. “As técnicas necessitam de menos tempo para obter as amostras e, por necessitar de menos manipulação, as chances  de  contaminação  com proteínas exógenas, como a queratina, são muito menores”, explica.

Uso de flúor requer cuidados

Cremes dentais sempre prometem a reposição de flúor na embalagem. Mas nem sempre o consumidor se preocupa em conferir a quantidade de flúor descrita na lista de componentes. Somada a isso, as estações de tratamento de água também se encarregam de enriquecê-la  com flúor. Não há como negar a importância do uso na medida certa dessa substância para  a  saúde dos dentes, mas  em  excesso pode  causar  lesões no esmalte, como a fuorose dentária.

Segundo Isabel, essas lesões podem variar desde manchas esbranquiçadas que comprometem a estética dos dentes ou até perda funcional dos mesmos. “Começa com manchas brancas, depois  os  dentes vão  ganhando  um  tom  de marrom, depois  se  quebram  durante a oclusão e perdem a  anatomia”,  explica.

Uma das recomendações que têm sido intensificadas, segundo a  dentista, é  a não-utilização de cremes com flúor por crianças para evitar o risco de ingestão, o que pode prejudicar a formação do  esmalte.

Para o estudo de fluorose, Isabel utilizou dentes congelados extraídos de pacientes, cuja temperatura favorece a pesquisa. Mas mesmo tendo sido expostos à temperatura natural durante milhares de anos, os dentes de múmia continuam dando sua contribuição à ciência. Segundo a pesquisadora, a eficiência do velho esmalte milenar está comprovada, para quem quiser ver e explorar.

Técnica mostra-se eficaz na análise de dentes inclusos

Isabel afirma que a técnica de microataque também pode ser utilizada para obter amostras em áreas restritas de pacientes com defeitos de esmalte como hipoplasia, fuorose ou amelogênese imperfeita. Uma das grandes novidades do estudo, segundo a autora, é o uso de dentes inclusos, que ainda não foram expostos à cavidade oral, evitando a adsorção pós-eruptiva de proteínas exógenas. No estudo, ela não verificou diferenças nos peptídeos resultantes da clivagem da amelogenina ao comparar grupos controle e fuorótico, tanto nos dentes erupcionados quanto inclusos.

A determinação do conteúdo orgânico em porcentagem em dentes humanos não-erupcionados também é um achado inédito da tese, segundo a pesquisadora. O estudo revelou maior conteúdo orgânico nos dentes com fuorose, tanto nos erupcionados quanto inclusos. Durante a pesquisa, a autora verificou também que há uma hipomineralização do esmalte mais externo, contrariando a ideia clássica de que o esmalte fuorótico possui uma superfície hipermineralizada.

Em estudo anterior utilizando incisivos de ratos com fuorose não havia sido possível detectar nenhuma superfície hipermineralizada. “A determinação precisa do mineral na camada superficial do esmalte fuorótico é muito importante”, acrescenta. Estudos anteriores, segundo ela, sugeriram que o esmalte fuorótico externo tem uma mineralização prematura, retendo as proteínas no esmalte, causando assim lesões subsuperfciais que se assemelham a lesões brancas causadas por cárie.

Segundo Isabel, as lesões fuoróticas apresentam 70% de conteúdo mineral na superfície do esmalte, valor que aumenta em direção ao esmalte mais interno. Uma análise em microscopia de luz polarizada revelou que o esmalte mais externo apresenta um birefringência negativa menor, indicando hipomineralização da camada.  Os dados sugerem que as lesões fuoróticas em esmalte humano refletem a composição do esmalte no período tardio de maturação da amelogênese, de acordo com a pesquisadora.

Fonte: Maria Alice Cruz / Jornal da Unicamp - ANO XXV - Nº 479

 
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