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Não é preciso falar da importância que o CIOSP possui no cenário odontológico brasileiro e mundial. Entre os aconte-cimentos de destaque desta última edição, podemos citar o “I Encontro Latino-americano de Equivalência Curricular”, que aconteceu no dia 29/01.

O encontro, com o tema “Necessidade de Equiparação Curri-cular na América Latina”, trouxe representantes de diversos países, e o Portal WWOW não podia deixar de lado um evento dessa grandeza. Nós conversamos com o Prof. Dr. José Ranali, ex-diretor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) e atual chefe de Gabinete da Unicamp, um dos repre-sentantes brasileiros no encontro. Confira agora como foi esse bate-papo.

Portal WWOW:
O senhor fez parte da Comissão Organizadora do En-contro?

Prof. José Ranali: Na realidade, eu fui convidado para participar desse seminário como representante brasi-leiro que tinha a responsabilidade, juntamente com outros represen-tantes de três países, de dar um esboço de como estava a questão de currículo, da formação, da gra-duação em Odontologia em cada um dos seus países. Eu representei o Brasil, depois teve um representante do Chile, um representante da Costa Rica e um representante do México.

Essa breve exposição serviria para dar um pouco de subsídios para que os grupos pudessem discutir com um pouco mais de embasamento.

Portal WWOW: De quem partiu a iniciativa para a organi-zação do encontro?

Prof. José Ranali: A iniciativa foi fruto de uma conversa. Foi uma proposta que surgiu entre a conversa do professor Omar, do Chile com o doutor Rafael Baldacci, presidente do 25º CIOSP, que lançou a idéia para um grupo de pessoas da APCD. A APCD passou a organizar e criou, então, um espaço sobre equivalência curricular na América Latina dentro do CIOSP.

Na realidade, pode-se dizer que o pontapé inicial foi dado pela APCD que conseguiu, dentro do CIOSP, estabelecer um espaço para isso e fez os convites para todos os países da América Latina. Nós tivemos uma participação expressiva da maioria dos países latino-americanos: Costa Rica, Venezuela, México, Argentina, Paraguai, Chile, Brasil... os principais dire-tores, coordenadores de curso e representantes das univer-sidades latinas.

O resultado talvez mais expressivo tenha sido de que é pertinente criar um sistema integrado que convirja para uma equivalência que possibilite as pessoas trabalharem em toda a América Latina. Seria algo razoavelmente semelhante ao que a Comunidade Européia está fazendo já há alguns anos e que termina a implantação em 2010.

Portal WWOW: E em termos de regulamentação, não só da parte curricular dos cursos, existem muitas diferenças entre os países?

Prof. José Ranali: De maneira geral, não. Com a questão da equivalência curricular, o momento é propício no mundo porque as fronteiras, sejam geográficas ou políticas, estão se acabando. É um momento de repensar o próprio perfil do profissional que nós queremos formar, o tipo de dentista, qual o perfil do dentista. Não se pode desprezar realmente, nessa discussão, um novo perfil pro dentista, e que o dentista seja capaz de atuar em uma região abrangente como é a América Latina com suas diferenças geográficas, suas diferenças sociais, culturais etc. Tem que estar preparado pra tudo.

Então, esse talvez seja o início de uma discussão que certamente é longa, conflituosa, porque nós precisamos harmonizar, criar um ponto comum de partida pra isso.

Portal WWOW: Hoje o Brasil é reconhecido mundialmente como um dos grandes expoentes da Odontologia. Não só pelo número de dentistas, já que o Brasil é o país com o maior número de profissionais no mundo, mas também pela qualidade. As pesquisas brasileiras hoje têm encabeçado muitas outras pesquisas no mundo todo. O senhor acha que poderia partir do Brasil o início dessa adequação curricular?

Prof. José Ranali: Na realidade eu acho que esse tem que ser um movimento em que não deve haver nenhuma liderança explícita, como essa sugerida. Tem que partir desde já de um movimento de coesão de todos os países ou da maioria dos países, de início, através de um grupo de trabalho que seja representativo.

A idéia do seminário é um pouco por aí. Porque se come-çarmos a estabelecer algum tipo de hierarquia, vamos dizer assim, as dificuldades serão maiores. Sem hierarquia, as possibilidades de isso se completar com sucesso são maiores.

Portal WWOW: Que tipo de universidades participaram do encontro? Privadas? Públicas?

Prof. José Ranali: Nós tínhamos representantes de univer-sidades públicas e privadas. Certamente a maioria dos repre-sentantes do exterior, de outros países, era de universidades públicas. No Brasil também contamos com a participação de universidades privadas e, mesmo do exterior, algumas priva-das compareceram.

Portal WWOW: E com relação ao panorama atual do Brasil?

Prof. José Ranali: Na realida-de, eu estabeleci como ponto de partida alguns pressupostos.

Primeiramente, é preciso discu-tir se há a pertinência de se criar um sistema de ensino latino-americano semelhante ao europeu, ou se deveríamos dis-cutir especificamente o sistema de ensino latino-americano de Odontologia. As tarefas são muito diferentes, certamente que nós vamos ficar com a segunda opção: um sistema latino-americano de odontologia é mais fácil pra gente trabalhar.

Em segundo lugar, nós devemos ter como princípio a pre-servação da autonomia universitária. É uma conquista impor-tante, principalmente para o Brasil, que com o artigo 207 da Constituição de 1988, se tornou uma regra constitucional. É um princípio importante.

Em terceiro lugar, o ideal seria encontrar um sistema que privilegie a produção do conhecimento. Um sistema que pri-vilegie não só no sentido de não abandonar a pesquisa, mas no sentido de incentivá-la também.

E um quarto ponto que eu achei importante seria a questão de estabelecer um sistema que levasse também em consi-deração o desenvolvimento social da América Latina, que é importante. É onde nós temos as nossas dificuldades maiores. E a questão da empregabilidade, um diagnóstico sobre a empregabilidade pra gente ter uma idéia de como os países tratam essa questão, quais as dificuldades em relação à empregabilidade.

Eu coloquei os pressupostos que eu entendia que eram principais e, dentro desses pressupostos, há a observação de que a legislação principal brasileira, principalmente a LDB – Lei de Diretrizes de Bases de 1996 –, permite que nós cons-truamos, participemos de um sistema desses. Ela nos dá liberdade, ela não é engessada. Pelo contrário, ela tem uma característica de dar independência para que as universi-dades criem seus modelos melhores de ensino.

E depois, nós tínhamos algumas características que eram muito parecidas com os conceitos e princípios que o sistema europeu estava colocando para a Odontologia. As diretrizes curriculares nacionais de Odontologia dão uma contempo-raneidade muito grande, que se aproxima muito dos princípios usados no sistema europeu.
 

Portal WWOW: Há alguns anos, houve o surgimento de mui-tas faculdades, com os vestibulares perdendo a importância que tinham. Como o senhor enxerga isso? Como está a Odon-tologia dentro desse perfil?

Prof. José Ranali: Na realidade, a gente não pode ser muito simplista de achar que as dificuldades que hoje existem na profissão, na Odontologia, sejam devidas à abertura de novos cursos. O movimento de abertura, de expansão do número de cursos e faculdades de Odontologia começou certamente lá pela década de 70, onde já se via uma tendência. Ele se acentuou talvez no final da década de 1990 etc. Mas acon-teceu dentro de um projeto de expansão que não foi muito bem definido, talvez pela falsa premissa de que a profissão é uma das poucas liberais do país, que é uma profissão que dá um certo status social entre os profissionais. São idéias fal-sas desde aquela época. Há aí talvez o marketing dessa falsa idéia que levou a essa expansão, que criou esse mercado positivo.

E o pessoal se aproveitou. A gente hoje vê que há uma retração, que a realidade foi mostrada, os dentistas recém-formados estão encontrando dificuldades muito grandes no mercado. E algumas faculdades já estão reduzindo o número de vagas, fechando cursos e assim por diante. Houve aí um movimento que eu atribuo mais a uma questão de mercado mesmo. Não há uma política organizada, ou não teve uma política organizada, no sentido de ampliar os cursos. Foi uma questão mercadológica pra mim, com essa falsa premissa do falso dentista.

Só pra completar, o Plano Nacional de Educação, que está em vigor desde 2000, quer que se atinja em 2017, 2015, não sei bem, 30% da população jovem, de 18 a 25 anos, estarem dentro de uma universidade.

Portal WWOW: Existe alguma política do Governo ou do Ministério da Educação com relação a essa expansão que ocorreu? Existe alguma política definida ou o MEC está dando autonomia para Faculdades privadas abrirem e fecharem cursos conforme a necessidade?

Prof. José Ranali: O mecanismo de criação e autorização, na realidade, a LDB prevê que seja feito pelo Conselho Nacional de Educação. Vamos dizer assim: o dono da bola é o Con-selho Nacional de Educação, mas o MEC, na área de Odontologia, especificamente, tem uma certa preocupação e recentemente, até foi no final do ano, nós concluímos um projeto que foi muito interessante patrocinado pelo Ministério da Educação, pelo Ministério da Saúde, pela  ABENO (Asso-ciação Brasileira de Ensino Odontológico), pela OPAS (Orga-nização Pan-americana de Saúde), que financiaram uma análise em cerca de 60 faculdades de Odontologia cuja análise previa uma discussão rápida com a maioria do corpo docente.

Essa discussão tinha como objetivo principal ver se o perfil dos alunos que estavam se formando naquelas universidades estava adequado, primeiro, às diretrizes curriculares nacio-nais, e, num segundo momento, se esse perfil estava ade-quado para formar um profissional preparado para a tendência do serviço público, capaz de se inserir de maneira geral no mercado.

Não está pronto esse relatório final, mas eu acho que é um diagnóstico interessante para que a gente possa responder parcialmente por uma mostragem de 60 cursos, cerca de 1/3 dos cursos de Odontologia do país, que hoje são cerca de 190. Nós precisaríamos de um contador, desses que vai girando cada vez que abre um novo curso, para se ter o número certo de quantos são, 170, 180, 190... Esse seria um diagnóstico interessante, e o resultado talvez seja apre-sentado na reunião da ABENO que acontece no meio do ano. Talvez ele sirva de base para alguma ação, já que o governo tem o papel de formular e participar de diagnósticos que pos-sibilitem tomar decisões, planejar ações etc.

Portal WWOW:
Quais foram as Organizações que estiveram presentes no Encontro Latino-americano de Equivalência Curricular?

Prof. José Ranali: Além das faculdades e universidades, nós tivemos a participação da ABENO e do Ministério da Saúde, com a professora Ana Estela Haddad, que fez também uma explanação sobre as questões relativas ao Governo, à visão governamental. Também tivemos o secretário executivo do MEC, do Ministério da Educação, e tivemos uma participação muito interessante e muito rica de um professor espanhol, que é decano do curso de Odontologia da Universidad Complutense de Madri, Mariano Alonso, que coincidentemente trabalha na construção da organização da área de Odonto-logia no sistema da Comunidade Européia.

Ele trouxe toda essa experiência dele de um modo muito consistente. E isso foi muito bom, foi muito proveitoso. Ele deixou muito aberta a possibilidade de cooperação e isso é importante porque a gente já tem um modelo, um modelo que está sendo construído, organizado desde 1997.   

Portal WWOW: E como foi a colaboração dos países nesse encontro? Foi dentro do esperado?

Prof. José Ranali: Primeiramente, foi enviado um convite a todos esses países perguntando se havia interesse em parti-cipar, e esse interesse foi unânime. Nós não havíamos criado uma expectativa nem positiva, nem negativa com relação ao assunto. Se a resposta fosse negativa, nós simplesmente irí-amos ficar na mesma. Mas foi muito interessante porque nós percebemos essa necessidade e realmente há essa necessi-dade, e não só em Odontologia.

É um fator de desenvolvimento. A América Latina está se atrasando, ela é muito lenta em uma série de circunstâncias. Nós estamos parece que presos a algum vício que nos impede de acelerar, de termos entendimentos mais permanentes e duradouros, no sentido de caminharmos para uma melhor qualidade de vida. Para se ter qualidade de vida é indis-pensável educação e saúde e, nesse aspecto, esse movi-mento de convergência curricular funcionaria para melhorar a qualidade de vida.

Portal WWOW: Há a perspectiva de um segundo encontro ou ainda não há nada certo?

Prof. José Ranali: Inicialmente o CIOSP fica ainda como um encontro de convergência, de união. Nós pretendemos termi-nar o relatório final, juntarmos alguns documentos e, a partir daí, criarmos um grupo de trabalho que seja responsável para juntar documentos, organizá-los, criar talvez um tipo de ban-co de dados de todas as universidades para que a gente possa conhecer, diagnosticar e, a partir daí, discutir modelos de trabalho.

Portal WWOW: Os programas de ensino são muito diferentes entre os países?

Prof. José Ranali: Não acredito que sejam. Há diferenças de carga horária, diferenças de modelo pedagógico, de processo pedagógico, mas nada que não possa ser reavaliado.

Isso nós podemos fazer através de uma rede eletrônica, como está sendo criada. Porque o custo de se reunir pessoas está muito caro. Na América Latina, em uma viagem para a Venezuela, para o México, cada pessoa gasta uns dois mil dólares. Então a gente quer usar a tecnologia da informação para poder fazer esse trabalho inicial, aproveitar e oferecer todo esse material. E, a partir daí, definir uma metodologia e criar formalmente um modelo de administração do trabalho.

Portal WWOW: Então, ainda não há uma data para um se-gundo encontro anual?

Prof. José Ranali: Não, ainda não definimos nenhuma data. Nós não estamos seguindo datas, tudo será decidido depois da conclusão desse primeiro relatório.

Não tem como a gente trazer conteúdo, documentos, essas coisas sem o relatório. Aí sim nós poderemos globalizar. Um grupo menor de pessoas trabalhando tem possibilidade de agilizar isso. Eu acho que as reuniões agora com os países latino-americanos vão se dar num momento em que se deve decidir um passo importante na questão de se trabalhar tudo isso. Seria uma maneira mais viável.

Para obter maiores informações sobre tudo o que aconteceu durante o evento, acesse o site do encontro (http://www.ciosp.com.br/encontro/index.html) ou entre em contato através do e-mail contato.enlec@apcd.org.br.

 
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