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No dia 29 de janeiro chegou ao fim mais um CIOSP. Como já é de costume, o Portal Open esteve presente durante todos os dias do Congressão e, para passar a nossos leitores uma palavra oficial sobre a edição desse ano, conversamos com o Dr. Raphael Baldacci, consultor da 26ª edição e presidente de várias das edições anteriores. Confira abaixo um pouco sobre o que foi o 26º CIOSP e a opinião do Dr. Raphael Baldacci sobre outros assuntos de grande repercussão.

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: Dr. Baldacci, conte-nos um pouco sobre sua experiência ao longo desses 50 anos de CIOSP.

Raphael Baldacci
: Eu fui presiden-te do primeiro CIOSP, que aconte-ceu em 1956. O ano passado nós fizemos 50 anos de congresso e eles me colocaram para ser o presi-dente. Foi um congresso excelente, mas este está melhor.

Na minha filosofia, desde que eu assumi a diretoria da Associação, cada congresso tem que ser melhor que o anterior. Então, vamos aprimorar, ver as falhar, ver os defeitos e corrigir. E estas coisas estão ocorrendo. Melhora-se a divulgação, sana-se algum problema que realmente atrapalhou e, cada vez mais, nós vamos nos solidificando.

Internacionalmente, hoje nós já somos considerados o maior congresso do mundo, não há dúvida nenhuma. É claro que você tem Colônia, na Alemanha, mas lá é só feira, não há congresso. Com relação a congressos, não há dúvidas.

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: E isso nos traz muita visibilidade?

Raphael Baldacci: A visibilidade é muito grande e vem cres-cendo. Por exemplo, nem terminamos o congresso desse ano e já temos mais de 1000m2 vendidos na área internacional para o ano que vem. Todos os que estiveram aqui esse ano já disseram que voltarão o ano que vem.

Alguns, inclusive, estão querendo sair da área delimitada para as empresas internacionais. Com essa valorização da feira, eles não querem mais ficar em um lugar delimitado, eles que-rem ficar inseridos junto aos outros estandes.

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: O ano passado o senhor foi presidente do Con-gresso. E esse ano?

Raphael Baldacci
: Esse ano eu sou consultor. A minha experiência, evidentemente, vem de muitos anos. Até 1966 eu participei como professor. Eu lecionava na USP e nos congressos eu dava cursos, ajudava em alguma coisa, mas sempre como professor.

Depois eu virei deputado federal, e comecei a participar com uma posição de destaque, começando a fazer com que as autoridades voltassem os olhos para a Odontologia. Eu che-guei a ser presidente de honra, fui mais de uma vez patrono. Com isso, você vai tendo observações das mais variadas.

Depois que eu deixei de praticar a política, me arrastaram para a Associação.  E aí eu comecei a sentir o problema como dirigente. Eu reformulei tudo, trouxe realmente o pessoal da USP e, a partir daí, o crescimento foi constante. Nós saímos do congresso que era no antigo palácio, tivemos que deixar o palácio e fazer nas ruas próximas, em adaptações. Depois passamos para dentro do Anhembi, mas sem utilizar o pavilhão inteiro, isso em 1972.

Em 1974 nós já ocupamos o pavilhão quase que inteiro com as empresas que, naquela época, estavam presentes em bom número, principalmente as italianas, alemães. Até que surgiu uma dificuldade de ordem cambial, o dólar muito valorizado encareceu os equipamentos dessa origem. E isso foi muito interessante, porque a empresa nacional passou a ver, sentir, examinar e se adaptar partindo da alta tecnologia desses equipamentos.

Pois bem, conseguiram fazer um equipamento no Brasil de muito bom nível e a praticamente um terço do custo. E esse equipamento, evidentemente, tem um relacionamento grande com a situação socioeconômica do país. Ele deve ser acessível a esse meio nosso, ao custo do tratamento dentário. De qualquer forma, o custo do equipamento para você exercer a profissão se reduziu muito com relação ao importado, com relação ao que era produzido.

O ministro Temporão esteve conosco, inclusive na nossa sede, e pudemos dizer claramente a ele sobre a importância desse congresso na valorização do equipamento brasileiro, que hoje é o único setor na área de saúde que apresenta superávit. O ministro se dispôs a receber as empresas que exportam e foi marcada uma data em Brasília para que eles levem sugestões. O ministro prometeu um empenho junto a outros setores governamentais para tentar diminuir, vamos dizer assim, os entraves, a burocracia que ainda rege o problema de exportação.

O congresso tem alguns aspectos altamente interessantes como esse, além de ser ainda científico. Desde os primórdios, em 1956, ele é tido como um centro de atualização, de excelência. Nós procuramos, em cada congresso, reunir aquilo que há de mais avançado, aquilo que há de novidade, aquilo que esteja sendo pesquisado, para trazer e informar.

Talvez outros congressos menores não tenham a condição que nós temos de poder para adquirir recursos para um evento científico. Em função disso o CIOSP é procurado mais do que os outros congressos, porque existe a possibilidade de atualização com aperfeiçoamento. São por diversos aspectos que o nosso congresso tem essas condições. Por esta razão eu acho que ele vem crescendo e talvez tenha como conse-qüência um aprimoramento maior, cada vez sendo mais pro-curado tanto pelas empresas como pelos profissionais.          

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: O Brasil é o país com maior número de den-tistas e o número de faculdades de Odontologia também tem crescido. O que o senhor acha disso?

Raphael Baldacci
: É evidente que houve por parte do governo um incentivo finan-ceiro para ser inves-tido em educação su-perior, mas não hou-ve um planejamento. Todos os países alta-mente evoluídos o governo diz quantas latas são necessárias para determinada construção. Aqui não se fez nada.

Precisávamos de uma maior participação da população a nível universitário, abriram as portas e a coisa ficou complicada. Nós temos hoje 174 faculdades de odontologia, porque já se fecharam algumas. Isso gera um excesso de mão-de-obra e o excesso de mão-de-obra leva a grandes dificuldades, principalmente para os mais jovens.

Aí surgem os convênios e, com as dificuldades, aparece o desestímulo. Esse desestímulo obriga o jovem a entrar em um convênio e faz com que ele tenha que produzir um número muito maior de procedimentos para poder ter a sua subsistência. E ele vai transmitir isto para aqueles que ainda estão na universidade e a outros que ainda vão ingressar na faculdade, e aos pais que sentem no bolso que o investimento feito na educação do filho não teve o resultado que ele desejava, que era pelo menos a independência econômica.

Não existindo isso em potencial elevado, começa a não-procura pela profissão. O que está ocorrendo? As faculdades tinham um número de vagas para X alunos. Agora, esse número X já foi dividido por dez. Uma turma que tinha 200 alunos agora tem 20, 30.

Hoje as pessoas têm a facilitação no ingresso em uma faculdade de Odontologia e a facilitação na graduação. Não há verificação de competência em nenhum instante, e o nível dos que estão saindo de algumas faculdades é lamentável, lamentável.

Quem pode e deve fazer alguma coisa é o Ministério da Educação. O ministro Paulo Renato de Souza (1995-2002) criou oito faculdades de odontologia, não cumprindo o que a lei previa, que era uma aprovação do conselho de saúde. Ao não cumprir a lei, nós entramos com um mandato de segurança. Pois bem, não foi julgado até hoje e já se formaram acho que 10 turmas. E é um problema burocrático e de ordem social. Como é que você vai fazer alguma coisa depois de 10 anos? Agora já são 10 mil dentistas com diploma na mão.

Estão aí 174 faculdades, muitas ainda vão se fechar, mas precisaria uma ação do Ministério da Educação, séria, para verificar o nível de ensino dessas faculdades. É lamentável o que isso evidentemente representa contra a odontologia e, pior do que isso, contra a saúde pública.

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: E qual sua opinião sobre o II Encontro Latino-americano de Equivalência Curricular, que aconteceu agora, durante o 26º CIOSP? Isso pode ser uma solução para as faculdades?

Raphael Baldacci
: Eu fui professor da USP. E, como pro-fessor da USP, a minha cadeira era de clínica odontológica. E nossa cadeira era encarregada na faculdade de examinar os que queriam trabalhar na área. A gente examinava currículo e via se ele estava em condições de exercer a profissão.

E o nível das pessoas que chegavam até nós era de uma heterogeneidade enorme, tanto quando comparado com pessoas formadas no Uruguai, na Argentina, até dentro do próprio país.

Muitos anos depois, eu tinha até deixado a atividade política, estava presidindo a Associação e, em um congresso no Chile, nós falamos sobre esse problema. E no Chile, então, nós pensamos: por que nós não levantamos a possibilidade de uma convergência de currículos? Não uma padronização 100%, devido às características diferentes de cada país, mas uma convergência era possível.

E a idéia foi discutida ali e aproveitamos o congresso, que tem meios para convocar os diretores. No congresso do ano passado foi o primeiro e nós tivemos por volta de 78 diretores. Este ano, na segunda edição do encontro, foram 198 diretores. Todos os países da América Latina estão aqui, todos, sem exceção.

E ontem, na abertura do encontro, eu me referi a isso tudo, que não é certeza de que nós caminharíamos para o sucesso, precisaríamos de empenho, de tempo. O assunto pela manhã foi mais genérico e, à tarde, foram debatidos seis temas diferentes e os relatórios já estão sendo redigidos hoje para fazer um relatório geral, que deve ser finalizado amanhã. Os diretores de todos os países receberam incumbências de verificar a série de dados necessários para que a equipe, o comitê, que são oito países, os mesmos desde o ano pas-sado, possa verificar o que já existe de semelhante para de-pois ver o que é necessário acrescentar e ver as diferenças.

É claro que nós precisamos que os países, apesar da autono-mia das universidades, pressionem para que nós tenhamos um entendimento e uma convergência com um mínimo de carga horária dentro das diversas especialidades, para que isso fique aproximadamente dentro de normas.   

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: E a Associação continua apoiando o encontro?

Raphael Baldacci
: O Go-verno brasileiro, que já tem esse problema sendo equacionado no Mercosul, vendo o movimento que a Associação vem fazendo, se aproximou. Tanto que nós pudemos contar com a presença de um repre-sentante do Ministério da Saúde, falando sobre a necessidade, em termos de atenção, dos diretores terem atenção para as políticas públicas. Então, dentro dos currículos não pode deixar de existir uma carga horária voltada para a formação do homem com uma visão social.

Eu acho que o governo entendeu o que nós estamos fazendo e veio para trazer apoio. Tudo isso ficou entendido depois da reunião, através de um entendimento meu, pessoal, com a representante do Ministério da Saúde para prosseguirmos esse diálogo com o Ministério para ver até onde o Ministério pode nos ajudar. Agora ficou marcado para agosto, no centenário da Sociedade Odontológica do Chile, um outro encontro, lá em Santiago do Chile.

Agora já ficou previsto um encontro lá e um encontro aqui e outro em janeiro de novo, que vai ser sempre dentro do Congressão. E nós vamos ver em que nós podemos ajudar, conseguimos ajuda da Colgate, e precisamos de outras empresas porque, evidentemente, o grupo executivo, o grupo do comitê, representam um grande gasto com transporte e acomodação. Nós assumimos a estadia dos 126 diretores estrangeiros que estão aqui, o Congresso bancou. Tanto que no hotel, dos 780 apartamentos, você não encontra uma vaga, nem uma cama vaga.

É evidente que nós precisaremos, para dar continuidade a tudo isso, de algum auxílio, algum amparo, de uma forma que possa servir para que os governos oficialmente assumam isso.    

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: Além do Ministério da Saúde e da APCD, o CFO participa de alguma maneira, já que ele é o órgão que regulamenta a profissão?

Raphael Baldacci
: Eu sempre achei que o Conselho Federal de Odontologia não deveria ter as funções que tem. Mas, como o Ministério da Educação nunca assumiu essas funções, o conselho foi assumindo. Agora, há um ano, o Ministério da Educação cortou e, praticamente, deixou aleijado o Conselho Federal de Odontologia. Está uma balbúrdia, porque o Ministério não procurou ter uma estrutura inicial para receber e tomar conta das antigas responsabilidades do CFO. Então, hoje está tudo tumultuado o processo dos cursos. Eles tomaram a função do CFO sem ter condições para isso.

Hoje os cursos de especialização estão todos em uma desordem, tanto que consta que o Ministério está se reaproximando do Conselho Federal de Odontologia para que o Conselho, em parte, assuma as responsabilidades pela experiência que tem. O Ministério não tinha nenhuma experiência, e nem sequer criou alguma coisa para recebê-los. 

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: Como o Governo federal enxerga a Odontologia hoje? Ela já recebe ao menos parte da devida atenção que merece?

Raphael Baldacci
: A Odontologia sempre foi vista como algo separado, como não pertencente à área de saúde. Mas já há um parecer da própria área médica sobre a importância dela, a Odontologia não pode ser apática. A Odontologia precisa se consolidar também como aprimoramento do tratamento das doenças sistêmicas.

E nós dentistas também precisamos ter consciência disso. A Odontologia não deixa de ser, na verdade, uma especialidade médica. Se você envolve mastigação, se você envolve todo o processo digestivo que se inicia pela boca, evidentemente que é uma parte que você não pode deixar de lado.

Você tem uma porção de problemas que surgem e afetam o seio maxilar, e outras partes relacionadas à Odontologia. Nós é que precisamos, em nosso currículo, inserir um pouco mais de informações para termos competência de sermos realmente especialistas.  

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: O senhor acha que a própria vinda do ministro da saúde até o congresso já significa uma maior preocupação com essa área?

Raphael Baldacci
: Sem dúvida nenhuma. A criação dos CEOs, por exemplo, nunca se importaram tanto com essa área. Agora tem o PAC para saneamento básico, porque com o saneamento você tem a água tratada, e com a água tratada você tem o flúor. O flúor no estado de São Paulo reduziu em mais de 60% a incidência de cárie. Essas coisas fazem você perceber que o governo está dando mais atenção àquilo que nós sempre desejamos.

Portal Open: Com relação ao Congresso desse ano, o que poderia ser considerado como ponto forte, a feira ou os cursos?

Raphael Baldacci: Hoje, sem dúvida nenhuma, é a feira que mais atrai as pessoas ao CIOSP. Nós temos que levar em consideração que os meios de informação cresceram muito. Hoje você possui todas as informações que procura na Internet.

No passado não, você precisava ir até o curso, ouvir o mestre, o professor, se quisesse aprender. Livros caríssimos, porque nós não tínhamos uma produção com cópias em português. Quando eu estudei, a escola argentina era o máximo. Todos os livros para quem não sabia inglês eram em espanhol.

Hoje os meios de comunicação facilitaram muito. São entrevistas, são jornais, são livros e os congressos, que existem de todos os tamanhos, em todos os lugares. Desde simples seminários, jornadas, fóruns... tudo isso traz conhecimento mais fácil. Então, a tendência foi diminuir a importância da parte científica no nosso congresso.

Por outro lado, nós também fomos percebendo que a queda nos preços causada pelos congressos é excepcional. Porque nós colocamos todos os que vendem, todos os concorrentes, frente a frente. E, pra vender, eles disputam diretamente. Até mesmo as grandes empresas, que não precisam da visibilidade do congresso, estão aí.

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: O senhor acha, então, que o dentista vem mais para comprar?

Raphael Baldacci
: Eu não tenho dúvida disso. Nós tivemos 10, 15 mil vagas para os cursos, o que deve dar um crescimento de 70% de cursos, em média. Com relação ao número de visitantes, quase 50 mil, um número excepcional. Os congressos aí de fora não chegam a um terço disso. Até porque, em alguns países, o número de cirurgiões-dentistas é muito pequeno. 

Mas a área científica também é muito importante. Em matéria odontológica é o terceiro país do mundo em produção científica. É claro que sempre há novidades para apresentar, é o que mantém a parte científica viva. Mas a Internet facilitou o acesso a tudo. Quem não tem contato é por preguiça (risos).

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: Muito obrigado, doutor.

Raphael Baldacci
: Eu é que agradeço.

 
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