Doação de sorrisos
Banco de dentes humanos facilita
os implantes dentários além de ajudar
em pesquisas acadêmicas
Existem hoje, no Brasil, mais de 170 cursos de odontologia. Em todos eles, é muito comum o uso de dentes humanos com a finalidade de treinamento laboratorial e pesquisa. Estima-se que sejam utilizados mais de 900 mil dentes todo ano somando todos os cursos de odontologia. Em alguns casos os professores chegam a pedir uma arcada inteira e os alunos são obrigados a levar o material pedido. Para isso, é preciso comprar os dentes pedidos pelos profes-sores ou adquirir de outra maneira, como a violação de sepulturas em cemitérios. Sem perceber, os professores de odontologia estão incentivando o comércio ilegal de órgãos.
De acordo com o artigo 15 do Código Civil Brasileiro, a compra ou venda de qualquer órgão, tecido ou parte do corpo humano é considerada crime e pode resultar em pagamento de multa e pena de 3 a 8 anos de prisão. Em 1997, quando foi formulada a nova Lei de Transplantes Brasileira (lei nº 9434 de 04/02/1997), os dentes passaram a ser reconhecidos como órgãos. Dessa maneira, tanto a venda como a compra de dentes passou a ser considerada ilegal, se enquadrando no mesmo artigo 15 do Código Civil Brasileiro.
Problema resolvido: aparecem os Bancos de Dentes.
Foi visando suprir essa necessidade que, em 1996, o professor José Carlos Impa-rato da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo criou o Banco de Dentes Humanos da FOUSP, uma ati-tude pioneira na América Latina. Dessa maneira, os alunos trabalhariam com dentes doados e não estariam colabo-rando com o comércio ilegal de órgãos. Os dentes do banco seriam emprestados ao aluno no início da disciplina medi-ante o preenchimento de uma ficha cadastral – para se ter controle sobre o destino dos dentes do Banco – e o aluno se comprometeria a devolver o material ao final da disciplina. No caso dos dentes utilizados para fins de pesquisa, eles são dados ao pesquisador, mas é preciso anexar uma cópia do projeto juntamente com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Atualmente o CEP não aprova pesquisas que utilizem dentes humanos cuja origem não seja comprovada ou legalizada. Os professores também se conscientizaram sobre o assunto e hoje pedem um número menor de dentes e, quando possível, substi-tuem os dentes humanos por artificiais. A alternativa é viável e, inclusive, já existem fabricantes nacionais para essas peças. O único problema é que os dentes artificiais ainda apresentam um custo muito elevado.
Como funciona?
O funcionamento de um banco de dentes é semelhante ao de um banco de órgãos. Os dentes devem ser doados (nunca comprados) e o doador deve autorizar por escrito a utilização desses dentes. É necessário um registro com a origem de cada dente existente no local. Todos os dentes são identificados e guardados em solução, para impedir a desidratação do órgão e evitar fraturas. A água comum e o soro fisiológico são as soluções mais utilizadas, sempre sob refrigeração, mas outras substâncias – como o formol, a cloramina, o timol e o etanol – vêm sendo pesquisadas. Os que apresentarem tártaro ou qualquer outro tipo de contaminação são raspados e esterilizados momentos antes da utilização. A esterilização é muito importante visto que, como todo órgão do corpo humano, o dente é fonte de patógenos severos para o homem. Ela é feita colocando-se o dente no formol por duas semanas, ou na autoclave, o método mais indicado atualmente para dentes que não possuem restauração metálica.
O banco de dentes é responsável por arrecadar, preparar, desinfetar, manipular, preservar, estocar, ce-der, emprestar e administrar todos os dentes humanos doados. Para uma maior arrecadação de dentes, uma boa opção é fazer parcerias com clínicas particulares, postos de saúde, hospitais e instituições de ensino. Outra maneira eficaz é fazer parcerias com a própria população, através de campanhas de conscientização.
O Banco de Dentes Humanos é uma instituição sem fins lucrativos que deve estar ligada a uma faculdade ou universidade – de preferência de Odontologia – e deve estar de acordo com as normas técnicas estabelecidas pela Vigilância Sanitária. Para evitar que o estoque de dentes fique muito baixo ou esgote, o Banco de Dentes Humanos da FOUSP usa uma política de estoque mínimo. Se o estoque de qualquer grupo de dentes chegar a 100, as doações desse grupo serão suspensas até que o estoque seja reposto em pelo menos 50%. O Banco de Dentes Humanos deve conscientizar tanto a comunidade científica como a população em geral sobre a importância da existência de um banco de dentes. É através da divulgação que o banco de dentes vai crescer e se desenvolver, aumentando o número de doações. Uma maneira de se atingir esse crescimento é através de campanhas, como a Campanha Nacional de Doação de Dentes de Leite, que a FOUSP promove desde 2003. Para atingir ainda mais o público infantil, a campanha conta com a participação de uma personagem: a fada dos dentes. A personagem surge nas clínicas de odontopediatria e incentiva as crianças a doarem seus dentes caídos ou extraídos. Além de estimular a imaginação das crianças, a fada dos dentes explica às mães ou responsáveis o que é o Banco de Dentes Humanos e o que será feito com os dentes. A criança que doar um ou mais dentes será cadastrada e irá receber uma carteirinha de sócio doador, entregue pela própria fada. As campanhas normalmente são feitas nas clínicas da USP, mas também atingem outras instituições de ensino, hospitais e associações.
Qualquer dente pode ser doado, seja ele hígido, restaurado ou cariado. Professores e alunos observam as anomalias mais comuns na estrutura do dente, além de estudar a localização mais freqüente das cáries, facilitando a pre-venção e o tratamento. Os dentes doados também são uti-lizados para testar o envelhecimento do material restau-rador. O dente cariado é restaurado e testado em diferen-tes temperaturas, quentes e frias, reproduzindo a cavidade bucal.
Além de ajudar nas pesquisas, os dentes doados também têm grande utilidade em transplantes para pessoas que perde-ram seus dentes por cáries ou traumas. A utilização desses dentes em trans-plantes vem sendo muito utilizada porque o dente natural é mais liso e desgasta igual aos outros, além de ser esteticamente melhor do que o feito de resina. O transplante de dentes naturais também sai mais barato porque o material usado (o dente natural) é de graça, e não há risco de rejeição. O máximo que pode acontecer é o dente descolar. O acervo dos bancos de dente normalmente é dividido em uma seção para dentes decíduos e outra para dentes permanentes. Dentre os dentes hígidos, o mais doado é o primeiro molar superior, e o menos doado é o central inferior, já que é o primeiro dente da criança que cai e as mães costumam guardá-lo. Os dentes mais procurados são os posteriores.
Um breve histórico
O uso de dentes naturais em próteses já existe há bastante tempo. Relatos na literatura comprovam que desde 1870 eles são usados na confecção de próteses. No Brasil, o primeiro registro que se tem da utilização de um banco de dentes no processo de transplantes é de 1981, quando um professor de Araraquara colou um dente permanente.
Desde 1999, o Banco de Dentes Humanos da FOUSP é responsável por fiscalizar e estimular a formação de novos bancos de dentes nos demais estados e cidades do Brasil. Para isso, em toda reunião anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Odontologia (SBPqO), o Banco de Dentes monta uma espécie de Consultório Científico para explicar suas atividades.
Um dos bancos de dentes mais recentes foi criado na Faculdade de Odontologia de Bauru – também ligada à USP. Em projeto desde 2001, o banco de órgãos da FOB começou a ser montado em agosto do ano passado e fez sua primeira campanha de arrecadamento de dentes permanentes e decíduos no dia 20 de fevereiro. A intenção é que o número de bancos de dentes cresça ainda mais, ajudando nas pesquisas odontológicas e na implantação de sorrisos. A doação de dentes caídos ou extraídos pode vir de qualquer pessoa, desde cirurgiões dentistas que tenham sua própria coleção até pessoas comuns.
Colabore você também
Os interessados devem procurar o Banco de Dentes Humanos da Faculdade de Odontologia da USP localizado na Avenida Professor Lineu Prestes, nº. 2.227, Cidade Universitária, São Paulo - SP, ou entrar em contato através do e-mail bdh@usp.br para saber qual o banco de dentes mais próximo.