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Através do contato feito pela colunista WWOW de Fonoaudiologia, Dra. Maria Cristina B. de Oliveira, conversamos, no início de janeiro, com o Dr. Artur Berti Ricca, diretor clínico do Hospital São Luiz - Unidade Morumbi, localizado em São Paulo, capital, em uma das salas de reunião na própria unidade.

 

O Dr. Artur formou-se em 1972 pela então Escola Paulista de Medicina de São Paulo, hoje Unifesp, especializou-se em Cirurgia Geral e Gastroenterologia Cirúrgica e é autor do guia “Pequenas Cirurgias” em parceria com o Dr. Clovis M. Kobata. Participou do processo de transformação do Hospital Duprat, pertencente ao Grupo Unicor, no que é hoje a Unidade Morumbi do Hospital São Luiz.

 

Inaugurada em 2000, a unidade possui Pronto-Socorro, Centro Cirúrgico, UTI para adultos e pediátrica e um completo Centro de Diagnósticos e pertence a um dos maiores e mais respeitados hospitais do país. Apesar de contar com uma infra-estrutura moderna, essa não é a principal característica do hospital e sim o seu atendimento. Muito preocupados com a qualidade e humanização de seu atendimento, seus pacientes são tratados como clientes. Aliás, não só os pacientes, mas esse tratamento é estendido também aos profissionais que se utilizam da infra-estrutura do hospital.

 

Para a entrevista, nosso enfoque principal era essa visão humanitária do hospital e o trabalho multidisciplinar aplicado na recuperação de pacientes internados na UTI do mesmo. Com o apoio dado pela direção do hospital, esse método de tratamento que engloba o trabalho conjunto de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas e psicólogos preparados para oferecer ao paciente todo o suporte necessário, vem sendo aplicado em diversos tipos de pacientes, como em pessoas que sofreram algum tipo de acidente vascular ou em traumatizados por acidente. Junto com esse tratamento, vem sendo aplicado com sucesso também, um programa de Higiene Oral, implantado pela Dra. Maria Cristina, o que possibilita uma maior qualidade de vida e de recuperação desses pacientes. Esse procedimento por muitas vezes é deixado de lado em pacientes acamados e que não estão em condições de executá-lo sozinhos.

 

Acompanhe a entrevista dada à nossa equipe.

 

WWOW: Dr. Artur, conte-nos um pouquinho de sua trajetória na Medicina e no Hospital São Luiz.

 

Dr. Artur Berti Ricca: Eu me formei da Escola Paulista de Medicina, na UNIFESP em 72. Sou professor assistente lá. Hoje eu estou licenciado. Na Escola Paulista eu fiz de tudo. Fui chefe de um grupo, dentro da minha disciplina, um grupo de tratamento específico do doente com hipertensão portal, cirróticos (tem muito pouco em São Paulo), que eram tratados no Hospital São Paulo; agora não mais, agora fica num sítio dele no nordeste.
Em 1991 eu comecei uma atividade como médico no corpo clínico lá do Itaim (Unidade São Luiz do Itaim). Eu já atuava, mas eu fui começar a atuar mais firmemente por volta de 1993/94, quando eu passei a fazer parte do staff, como plantonista de videolaparoscopia, ligado às cirurgias da minha área - minha área é a de cirurgias do aparelho do intestino.
Mais ou menos em 1996 eu assumi o plantão no hospital; aí eu já estava no staff como plantonista de retaguarda de cirurgia.
Em 2000, quando o Hospital assumiu aqui (a Unidade Morumbi era o antigo Hospital Duprat), pediram pra eu montar e coordenar o pronto-socorro todo. Então eu montei e coordenei. Em janeiro de 2003 nós começamos a mudança sob a minha direção clínica.

 

WWOW: Como foi a implantação da Unidade Morumbi do Hospital São Luiz?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Funcionários, como é que foi feito? Os funcionários já existiam do antigo hospital da UNICOR, o Hospital Duprat, e nós trouxemos os supervisores e gerentes. A estrutura existia três ou quatro anos antes. Os funcionários vieram com o perfil do São Luiz, pois o São Luiz tem um perfil próprio. Algumas pessoas foram promovidas, vieram como gerentes, como supervisores, e aí foi um trabalho de treinamento dos funcionários para trabalhar. Isto aconteceu no pronto-socorro. Para o pronto-socorro, eu mantive a equipe que estava aqui e nós fizemos um treinamento. Quem se adaptou ao treinamento feito aqui no hospital ficou e ficou bastante gente. Quem não se adaptou, foi substituído.

 

WWOW: Como foi essa adaptação? Uma nova filosofia de trabalho?

 

Dr. Artur Berti Ricca: O Hospital São Luiz tem uma política da qualidade. Na área médica, existe uma expectativa do cliente: do cliente médico e do cliente paciente. O cliente médico eu considero como um cliente interno. O Hospital tem um corpo clínico aberto e tem uma outra parte do corpo clínico fechada, que nós chamamos de status, que são os médicos que prestam atendimento aos pacientes que chegam ao pronto-socorro. Eu tenho a equipe médica do pronto-socorro e uma equipe médica na retaguarda de todas as especialidades. Os pacientes internos, quem assume é a equipe médica da retaguarda. Essa equipe médica de retaguarda é do staff. Esse corpo clínico aberto, na verdade, é um pessoal que não pertence ao hospital. Esses são os clientes.
Claro que o paciente pode escolher o hospital, e ele escolhe um hospital, por exemplo, como o Einstein, “eu quero ser operado no Einstein”. Tirando o Einstein, nos outros hospitais, ele aceita ser trocado. Então, quem comanda a internação é o médico, “olha, eu quero no São Luiz”, aí o médico se torna o cliente.
Antes de eu vir para o São Luiz em 2000, eu mandava para o Oswaldo Cruz, para o Einstein ou para o São Luiz do Itaim. Aí eu vim para cá, montei minha vida aqui e hoje, se um paciente meu me fala “olha, eu gostaria de operar no Oswaldo Cruz”, aí eu falo “então eu não posso te operar”. Eu trago o cliente pra cá, porque eu quero operar no São Luiz, é mais fácil pra mim, mais cômodo. Eu tenho que dar condições para que este profissional faça o melhor trabalho dele. Isso em termos de: horário, material, indicação e de atendimento ao paciente dele. A pior coisa para um médico é ligar para o hospital e perguntar “como é que está o meu paciente?” e a enfermagem falar assim: “espera aí, eu vou ver...”.
O que a gente tenta é treinar essa enfermagem. Eu tenho uma estrutura com duas enfermeiras por ala e cada uma cuida de uma parte da ala porque não dá pra todos cuidarem de tudo, fica uma coisa muito grande. A enfermagem, então chega e fala pro médico, “um momento, que eu vou chamar a enfermeira que cuida do seu paciente”. Com essa estrutura você passa para o médico a segurança de que o paciente dele está aqui e está sendo visto. Isso é política de qualidade ao cliente médico!
Para o cliente paciente externo: triagem específica no pronto-socorro. São 15 mil atendimentos por mês. Tem hospital público que não atende o que eu atendo nesse PS. Não estou falando de um grande hospital público, um grande PS. O PS de um hospital público menor não atende.
O que esse paciente tem que ter? Claro que ele tem que ter uma base profissional; o profissional tem que estar embasado tecnicamente. Ele tem que ter carinho, atenção, calor humano. Muito mais do que em um consultório particular. O paciente que vem no meu consultório, ele vem “medicado”, ele já ouviu o “meu marketing” e chega lá sem surpresas. Aqui eu tenho dito pra eles, “olha, pessoal, vocês são os piores médicos que existem no mundo, porque se vocês fossem bons, vocês estariam em um consultório”. E isso não é real! Mas é a visão das pessoas. Acontece assim: o paciente chega lá e pensa “quem será que vai me atender?” O médico fala o seguinte: “Bom dia, eu sou o doutor fulano, por favor, a senhora me acompanhe, meu consultório é por aqui”. É muito difícil você ganhar um paciente em 15 ou 20 minutos, porque aquela consulta relaxada, de meia hora / 40 minutos, que você faz no consultório, não é a mesma que a do pronto-socorro.
Eu tenho um disparo de alarme se qualquer uma das especialidades do pronto-socorro ultrapassa de 45 minutos de espera.
Segunda-feira passada (entrevista realizada em janeiro), atendemos cinco pacientes traumatizados. As pessoas foram viajar para o litoral, sofreram algum tipo de trauma, passaram um gesso lá e depois vieram pra cá. Apesar de ter uma expectativa e apesar de todo o cuidado que temos, cinco pacientes traumatizados num mesmo dia geram uma confusão no pronto-socorro.
Normalmente temos mais profissionais do que em consultório. Eu tenho mapeado, faço uma ficha com todos os médicos.  E eu tenho um sistema que marca quantos pacientes entram por hora e quais as especialidades exigidas. Entra um, por exemplo, para pediatria, então eu chamo um médico reserva. No setor adulto eu não tenho isso, mas, pelo mapa, a partir de 13 horas fica alguém sem fazer nada. Porque se sai aí um médico para fazer algum atendimento de emergência, outro vai e assume o consultório.
E tem uma cobrança muito grande em cima de todos os funcionários. O paciente precisa ser atendido, e muito bem atendido. Eu posso te garantir com certeza que, aqui no Hospital São Luiz, buscamos um equilíbrio entre a qualidade técnica dos profissionais e a preocupação com o lado humano. Se você andar aqui no hospital, vai ver, o pessoal sorri, diz “posso te ajudar?” ou “posso não sei o quê?”.  No treinamento inicial, toda essa filosofia é transmitida.

 

WWOW: Há muitas diferenças entre as duas unidades do hospital?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Há diferenças evidentes. Uma unidade no Itaim que tem 60 anos, 65 anos. E essa unidade aqui (Morumbi) que é uma adolescente. Nós percebemos que a unidade do Itaim é mais segura. O que eu atendia aqui em um mês, quando a gente chegou, no início de 2000, eu atendo hoje por dia. E todos os que vieram pra cá, estavam lá e vieram; eles (os funcionários) foram convidados e foram avisados, não tem retorno. Na empresa não existe retorno. Se você é promovido para um determinado posto e não deu certo, “é tchau”. Todos que vieram pra cá sabiam que se não desse certo eles estariam perdendo o emprego.
Então, em primeiro lugar, esta situação de se voltar ao cliente ficou muito evidente. Segundo, nós assumimos o hospital vazio. A estrutura estava aqui, mas ele era um hospital vazio. Eu tinha que conquistar médicos e pacientes.
As pessoas querem que aqui seja igual ao Itaim... não dá pra ser igual, o Itaim tem paciente demais! Uns alunos da Escola Paulista quiseram implantar um sistema de paridade. Eu falei “tá”. Quer implantar, ok, mas não vai dar certo. Por quê? Porque se a capacidade é 600, eu tenho 1500 por dia querendo entrar aqui? Que qualidade você quer fazer? Eu acho que tem que fazer, mas veja, o foco é outro.
Então, aqui a gente precisava conquistar todo mundo. “Precisa de alguma coisa?”, ”precisa de não sei o quê?”, e foi tomando este corpo. Aqui, eu estou encostado no melhor hospital do Brasil, que é uma grife (Hospital Albert Einstein). Ele tem a mesma atenção do que eu tenho? Seguramente não! Eu preciso ter um diferencial em relação a ele. Um: como é que eu melhoro isso? Dois: Como é que eu posiciono o hospital para atrair os médicos do Einstein, que têm uma clínica altamente diferenciada, e que muitos desses pacientes não têm direito a internar lá, pra se internar aqui? Resposta: com serviço e atenção! E nesse aspecto nós somos muito felizes. Grande parte do corpo clínico que atua pesadamente no Einstein envia pra cá pacientes que não têm direito ao Einstein.
A nossa unidade do Morumbi é mais decisiva que a do Itaim nesse ponto por ser mais jovem e por você ter que entrar no mercado. Enquanto lá (Itaim) o pessoal fica “empurrando” paciente pra fora, aqui a gente fala, “não, tá bom”. No ano passado nós chegamos a atingir uma média de 92% de taxa de ocupação, o que é uma loucura! “Olha, eu preciso internar”, e a gente falava “tudo bem”, e sempre se dava um jeito. Passar no hospital à noite, lotado, com 35 cirurgias pro dia seguinte, aí chega alguém e fala “olha, amanhã às 6 horas da manhã, vão chegar pelo menos 15 pacientes pra internar” e eu não ter quarto... é difícil.
Nós passamos muito por isso. Pegava o paciente, preparava o paciente, levava pro centro cirúrgico, ele vai ficar três horas lá até ele sair, depois precisa ir ao médico, dava alta e não sei o quê. Fazia a higienização e pronto. Eu acho que é a visão e a implantação. Talvez este, não estou criticando o Einstein, mas, este sorriso a mais que os funcionários daqui têm pelo fato dele ter que conquistar os clientes que nós precisamos ter, é o diferencial maior.
Isso acabou também por refletir na unidade do Itaim porque os donos e a diretoria começaram a ver, e pensaram: “olha, nós precisamos ser igual à lá”. Depois ficou muito evidente, porque amigos do círculo deles, que começaram a ser atendidos aqui, começaram a comentar. Isto eu senti quando eu fui ser plantonista no Itaim. O meu paciente de consultório era uma situação tranqüila. Mas quando eu fui plantonista de retaguarda no Itaim, que eles internaram um paciente e o paciente não sabia o meu histórico, não sabia quem eu sou, não sabia nada disso, então ele ficava todo “armado”, porque ele se sentia totalmente desprotegido. Ou você conquista esse paciente, ou você não consegue tratá-lo. Tanto é que aqui, se o médico do pronto-socorro sentir que a consulta dele não está tendo andamento com um bom relacionamento médico-paciente, ele pára, “o senhor, por favor, me aguarde que eu vou chamar um outro colega para continuar”. Não causou empatia, troca.
Nesse sentido, tem um negócio que é complicado: pediatria. Tem muita pediatra mulher e mulher e mãe, complica (risos).
Se o paciente não estiver em sintonia com você, não vai.
Com o tempo, o indivíduo vai conhecendo o hospital e sente que foi melhorando. Quer dizer, foi o hospital que melhorou. Os pacientes foram me conhecendo, aí o cara vem ”olha, o doutor, o médico é bom, não sei o quê, etc. e tal”. Se o paciente, e o paciente pergunta, “quem é o doutor fulano?”, se não falar que é bom, pode até não responder nada, mas vai parecer tão ruim como se falasse “olha, esse cara não é bom”. Se o cara for bom, “ah, não, tranqüilo etc. e tal”. Isso deixa o paciente desarmado, fica mais fácil.
Tem uma coisa nessa unidade que é fundamental: ela é extremamente leve no visual. O pessoal fala que é como um shopping center ou quando você entra em um hotel. Na verdade, o visual, a estrutura física dela é fácil de você “trabalhar”. O paciente aceita, não é uma estrutura pesada, escura, pesada no visual. Acaba passando de um ambiente impessoal para um ambiente cada vez mais pessoal. Um ambiente cada vez mais centrado na pessoa que sabe o nome do médico, no médico que sabe o nome do paciente. Se isso não acontece, pode ser um problema: quando você pega um paciente operado e pergunta “quem operou o senhor?”, se ele não souber direito o que foi feito, mas fala o nome do médico, você sabe até o método que foi utilizado. “Ah, doutor, não sei”. “Mas como? Ele mexe em você e você não sabe o nome dele?”. Aí o que a gente tem que fazer aqui? Tenta ter essa relação porque aí o cliente vem “olha, o doutor fulano, eu já fui atendido por ele” e isso facilita.

 

WWOW: E entre outros hospitais? Há competição entre hospitais?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Existe essa competição, e essa competição é tecnológica. O lado humano nos hospitais foi uma observação que nós até tivemos que introduzir em vista de ser uma unidade que de repente apareceu e foi colocada em uma posição que, veja, dentro da filosofia e do nível de atendimento que a gestão anterior se propunha, não era concorrente do Einstein e não era concorrente do São Luiz. Tinham pacientes que eram mais elitizados, mas a grande maioria não era. A proposta dele era diferente.
Na hora que nós chegamos com a proposta São Luiz, decidimos que seria um hospital de segunda linha. Hospital de primeira linha é o Einstein, um pouco abaixo é o Sírio. Segunda linha somos nós, o Samaritano, Oswaldo Cruz, Nove de julho. Para os hospitais de segunda linha, como era o nosso, a gente montou um diferencial. Aí eu posso me comparar diretamente com o Einstein.
Meu concorrente direto não é o Itaim. Com relação à população, se você pegar o perfil do paciente daqui e o perfil do Itaim é totalmente diferente. O paciente do Itaim vai de ônibus, mas isso não quer dizer nada. Hoje mudou um pouco aqui por causa desse número de atendimentos. Pra estacionar na porta do pronto-socorro Mercedes, BMW ou não sei o quê e o cara puxar a carteirinha do convênio, colocar em cima do balcão e ser atendido, é uma coisa muito freqüente. Antes eu atendia 120, 200 por dia. Agora a minha média é 450, 500, por mais que eu queira fechar a porta do pronto-socorro às vezes.
Quanto ao modo de atender os pacientes, a gente percebe algumas modificações em alguns hospitais, mas as propostas são diferentes. O São Luiz tem uma atividade de pronto-socorro muito grande. O Einstein não tem isso, o serviço de pronto-socorro dele é muito pequeno, e no Sírio quase inexiste.

 

WWOW: Como se deu a introdução de tratamentos multiprofissionais? Fale um pouco mais sobre a Fonoaudiologia?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Até alguns anos atrás, a atividade de uma fonoaudióloga efetivamente não tinha a importância que tem hoje. Se a gente for contar em tempos recentes, nos quarenta anos recentes, na área médica, a gente vai ver que, embora ainda esteja arraigado na população o medo da anestesia - a anestesia é um negócio perigoso -, a partir do momento que a anestesia se modernizou, e vem se modernizando, pacientes mais graves ou mais velhos, puderam ser operados, puderam ser tratados. Paralelamente eu tive uma melhora no procedimento cirúrgico, uma melhora no tratamento, menor falência de alguns órgãos, diálise, etc. Na parte cardiológica houve uma melhora nos antibióticos.
Conseqüentemente, eu comecei a ter um tipo de paciente que saía de uma determinada situação e ficavam, vamos dizer assim, maus. Ficavam se alimentando com sonda, perdendo habilidades e o pior, principalmente na área de disfagia, de distúrbio de deglutição que eles acabam tendo. E com toda essa modernização que nós tivemos, eu consigo manter esses pacientes mais tempo internados, eu fico com eles mais tempo internados, com traqueostomia, com alguma disfunção, em nível de desnutrição, de fala etc.
E tem um outro problema: eu tinha todo um aporte que esse indivíduo ia comer, tinha uma aspiração, porque ele tava com a deglutição debilitada. Às vezes ele tinha uma pneumonia aspirativa e, ou ele ficava mais tempo pra se recuperar, ou ele chegava a morrer de alguma coisa que era conseqüência de um melhor tratamento.
A partir daí, nós chegamos a um outro aspecto da área médica, de forma geral, que é o estudo das funções, um outro avanço da medicina. Onde se mudou uma série de procedimentos: a fisioterapia, as próprias cirurgias de ortopedia, de coluna etc. Começou-se a estudar, pela modernização de aparelhagem, como é que funciona o corpo humano. O músculo contrai “desse jeito”, isso é o estudo da função. Eu não conserto a anatomia, eu conserto a anatomia pensando na função. Aí saltou a fonoaudiologia. Não como aquela fono que a gente entendia lá atrás, de ensinar uma pessoa uma palavra, esse negócio de fala etc. e tal. A fono faz o quê? Ela reabilita o indivíduo pra deglutição, pra articulação da fala, porque ele perde essas funções. A gente pensa que não, mas perde. Ele fica tanto tempo sem usar essa musculatura que ele precisa de todo esse exercício. Isso fundamentalmente é o trabalho de um fonoaudiólogo.
Quando você vê em alguns pacientes - e eu estou falando de pacientes neurológicos, com processo de AVC, pacientes de trauma, que é um problema grave de saúde pública -, eles perdem toda essa função alta, ficam de trinta a sessenta dias internado, com traqueostomia, se alimentando por sonda, e aí depois eles começam a reabilitação. Então, na verdade, isso aqui seria lapidar todo o trabalho que se começou lá atrás, embasado em tudo aquilo que a medicina evoluiu. Vai terminar aí? Seguramente não. Vão ser incorporados outros procedimentos, outras especialidades. A integração de vários especialistas buscando um melhor tratamento para o paciente.
Nós temos papilas gustativas, que é pra sentir o paladar, tá certo? Você tem a deglutição, que é pra sentir o alimento no estômago, ninguém foi feito pra receber uma alimentação líquida. É um trabalho interno. Você pega esses pacientes especiais, o paciente se comunica, se relaciona pouco com o ambiente, às vezes está meio comatoso, ele tem um perfil especial. Aí é preciso ter muita boa vontade, porque deve ter nesse percurso algumas coisas extremamente desanimadoras, mas efetivamente eu vou estar por lá.
É um trabalho quase que constante. Se você largar e não tiver alguém um pouco mais treinado, não tem jeito, perde.

 

WWOW: Qual a importância da Dra. Maria Cristina nesse processo?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Faz tempo que a Cristina trabalha no hospital. Aqui eu sei que começou com ela. O Hospital aqui tem cinco anos e eu lembro da Cristina lá no Itaim (Unidade São Luiz do Itaim). Infelizmente, esse trabalho é pouco divulgado. Existe certa resistência. Eu sempre digo o seguinte: tudo depende do teu referencial. O referencial que a gente tem do paciente, com ele andando, comendo etc. é um, só que ele sofreu um trauma, uma agressão... e a gente nunca toma isso como referencial, e isto é normal. O leito, como ele estava no ponto de partida deste trauma é o novo referencial. O referencial dele mudou, e tudo aquilo que eu (médico) vou ganhando a partir disso tudo. Então, quando você fala que precisa ter um tratamento de uma fono, treinar uma deglutição, treinar a respiração, melhorar a fala, cria uma resistência. Se não cria uma resistência, vamos dizer, ativa, o sujeito acha que é, digamos assim, dispensável. As pessoas acham que esse tipo de recuperação vai acontecer de maneira natural. Tudo isso por causa de um conceito popular. A pessoa sofria um trauma e, conforme ela vinha evoluindo, um dia ela saía ou tinham aqueles que morriam. Na realidade tinha muito mais gente que morria do que aqueles que saíam. E hoje você tem pessoas saindo em diversos níveis. É o resultado da tecnologia e do conhecimento atual. Seguramente, muita gente que ainda sai hoje, teria morrido a um tempo atrás.

 

WWOW: E a aceitação desse trabalho da Dra. Maria Cristina pelos médicos?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Como a medicina evoluiu, os médicos atuam muito em cima de sub-especialidades. Como a gente mesmo brinca, tem médico que trata do dedo da mão direita e tem médico que trata do dedo da mão esquerda. Na hora que eu tenho um fisioterapeuta que vai lá, coloca o aparelho, faz a pressão pra exercício respiratório, na hora que eu tenho alguém que corre pro meu doente, faz, por exemplo, a higiene oral. Antigamente, nós ficávamos “Mãe, a higiene oral!”, hoje o médico já esquece isso.

Então, quando a tua atenção começa a ser voltada pra outras coisas de forma mais profunda, você libera determinadas atividades ou observações que você tinha, porque você tem um profissional que cuida especificamente dessa área. Como o médico se especializa na área dele, o fono se especializa na área dele, o fisioterapeuta se especializa na área dele.

A resistência que alguns médicos têm com relação a isso é por falta de conhecimento. As coisas no hospital muitas vezes funcionam de forma automática. Isso é uma coisa que a gente precisa tomar um pouco de cuidado. Não é uma massificação, mas os pacientes que entram com o mesmo diagnóstico, têm níveis diferentes de complexidade e cada um evolui dentro do seu nível. Têm uns que vão precisar mais de determinados profissionais e têm outros que vão precisar menos ou nem vão precisar.
Se eu tenho uma atividade em que eu praticamente não pego esse tipo de paciente ou não pego os mais complexos, eu não vivencio o trabalho desse profissional.
Se o médico tem determinado diagnóstico, não importa o nível de complexidade, ele vai precisar de um tratamento específico. Se ele não precisa desse tratamento de forma integral, ele precisa desse tratamento de forma preventiva. Depende da visão do médico assistente, vamos dizer assim. Se existe alguma resistência? Existe. Mas é geralmente naquelas especialidades que acabam mexendo menos com esse tipo de paciente. Tem resistência da área de neurologia de uma forma geral? Não tem.  Tem resistência do pessoal de cirurgia, que faz o aparelho digestivo, que cuida de quadro traumatizado? Não tem. Tem uma resistência de um clínico, dependendo da complexidade que ele pega, mas é por falta de informação. Eu via a Cristina no Itaim, andando pra baixo e pra cima e o pessoal falava, “Quê que ela faz aqui?” “Quê que é fono?” “O quê ela faz, ensina as criancinhas a falarem?” Porque a fonoaudiologia começou nessa história depois; com o estudo das funções, é que foi se diferenciar.

 

WWOW: Podemos dizer que a Dra. Maria Cristina foi a pioneira nesse tipo de trabalho?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Existem outros trabalhos que envolvem a fonoaudiologia em outros hospitais, mas eu acho que, pelo menos até onde eu conheço, a doutora Cristina foi uma das pioneiras nesse tipo de postura. E vai depender muito do perfil (de pacientes internados) de cada hospital. O meu perfil, hoje em dia, é um perfil muito de trauma, muito de doente cardiológico e neurológico. É um perfil mais propício pra esse tipo de alteração.
Depende de como o paciente estiver, o trabalho já começa dentro da UTI. Depende daquela complexidade que a gente já falou. É claro que dentro da UTI têm as fases: a chegada, a complexidade, a estabilização do paciente, o tratamento, os quadros de infecção associados etc. E aí, conforme você vai tratando o paciente, você melhora, diminui o tempo de internação. Têm uma série de atividades que esses profissionais fazem que adiantam o processo.
Tudo depende da visão de cada profissional também. Você não precisa ter muita coisa (recursos); na realidade você não tem. De material não tem nada. É sentir como está a alimentação, meio pastosa, cremosa. É sentir como é que está evoluindo o paciente. Eventualmente seguir um exame, porque existe um exame que o fonoaudiólogo faz, que é um exame radiológico da deglutição. Na verdade é um vídeo e não uma radiografia. É uma radioscopia, um exame dinâmico.

 

WWOW: E como a direção clínica pode interferir nisso?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Eu sou o diretor clínico dessa unidade. Eu tenho autonomia sobre qualquer especialidade, qualquer profissional. Todos eles são minha responsabilidade. Teoricamente, eu tenho uma responsabilidade técnica sobre esse relacionamento deles com o paciente, na área de saúde inteira.
Então, por exemplo, eu posso direcionar até um determinado ponto. “Olha, esse tipo de paciente não vai ter tratamento fonoaudiólogo, ponto!” ou “esse tipo de paciente, obrigatoriamente, vai ter tratamento fonoaudiólogo!”. A gente não tem esta postura aqui. A gente deixa o profissional livre pra fazer as coisas, a não ser que literalmente, tenha prejuízo para o paciente. Porque também a medicina, a área de saúde, não tem parâmetros muito estabelecidos. Você pode fazer determinados protocolos que podem ser depois adaptados à realidade daquele paciente.

 

WWOW: E o programa de Higiene Oral? Como aconteceu?

 

Dr. Artur Berti Ricca: Na verdade, têm uns dois, três anos que a doutora Cristina começou com esse trabalho. Um dos problemas que a gente tem com esses pacientes é que ficamos preocupados com aquilo (o tratamento) que é mais influente. E essas coisas paralelas, que não têm importância agora, vão ter importância no futuro. E uma dessas coisas importantes é a higiene oral. Até porque, entre outras coisas, as pessoas internadas ficam tomando um monte de antibióticos e aí o que acontece? Sobra fungo. Normalmente nós temos fungo – porque respiramos pela boca e até porque o próprio ambiente favorece isso.  E aí você tem o surgimento de crostas, placas.
Alguém está acostumado a fazer higiene oral pra outro? Não, cada um faz a sua. Só que este tipo de paciente não consegue fazer. A gente acha que ele faz. Foi isso que a doutora Cristina observou enquanto ela estava trabalhando.
A enfermagem orienta, a enfermagem faz, ela define que tipo de gente que vai fazer. Ás vezes pode até precisar de uma espécie de raspagem, sei lá, de uma retirada de placas, porque isso fica mesmo. Isso pode acarretar em outras coisas, quer ver? “Ah, ele não come”, “mas por que ele não come?” Porque ele tem alguma coisa na boca; porque ele não sente paladar; muda a flora intestinal dele, muda a flora orgânica dele, a flora bucal - aí ele não come. Aí você vai ver, em cima da língua tem uma placa, cobrindo as papilas. O paciente também precisa sentir o sabor dos alimentos!
Muitas vezes você não presta atenção nisso e acaba pondo em risco a vida do paciente.  Alguns dentistas chegam a vir até aqui cuidar dos pacientes. Porque o ambiente dentário é um foco de infecção. Quem toma conta, quem estrutura toda essa parte de higiene dental é a doutora Cristina, é ela que “fica em cima”. Nós estamos falando aqui de um paciente especial, um paciente que tem uma certa dificuldade. Os outros pacientes, cada um faz sua higiene bucal. Como o trabalho dos pacientes especiais é ela quem desenvolve, ela verifica e vai orientando para que a enfermagem vá fazendo a higienização adequada. Porque se a higienização não for feita duas, três vezes por dia pode complicar, dependendo da gravidade. E nesse ponto você vai vendo se tem foco de infecção dentário, ou se é só fazer uma limpeza mesmo.

 

 
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