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Nosso colunista, Dr. José Eduardo Pires Mendes, participou há alguns anos da SPO – Sociedade Paulista de Ortodontia – como Assessor para Assuntos Internacionais. Através dessa função teve a oportunidade de entrar em contato com ortodontistas de vários países e, a partir disso, desenvolveu uma série de entrevistas com esses profissionais para o periódico "Ortodontia", órgão oficial de divulgação da SPO. Batizou essa sessão com o nome de “Como Pensa um Ortodontista”. Reproduziremos algumas destas entrevistas neste espaço.

 

Aproveitando a passagem do Dr. Michel Langlade, famoso ortodontista francês, pelo Brasil para participar do I Encontro Internacional de Ortodontia, DTM e Cirurgia Ortognática de Cuiabá, apresentamos a entrevista realizada pelo Dr. Pires Mendes e que foi originalmente publicada na edição nº29 de Janeiro/Fevereiro de 1994.

 

Para saber mais do evento de Cuiabá, clique aqui.

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Como Pensa um Ortodontista Francês:
Dr. MICHEL LANGLADE

 

“Nesta série de entrevistas com Ortodontistas de destaque de outros países, procuramos dar a nossos colegas brasileiros uma visão mais ampla de como evolui nossa especialidade no mundo, principalmente nos países mais adiantados. Nossa intenção é ajudar a formar uma consciência profissional brasileira, apoiada em valores reais, através da compreensão dos processos evolutivos.”

Dr. José Eduardo Pires Mendes

 

O Dr. MICHEL LANGLADE, internacional-mente conhecido como pesquisador, conferencista, e, principalmente, por seus excelentes livros sobre ortodontia, traduzidos em vários idiomas, é ortodontista clínico em Clermont-Ferrand, no centro da França. Ensina a TERAPIA BIOPROGRESSIVA de RICKETTS em quase toda a Europa e em outros países do mundo há mais de trinta anos.

 

Dr. Pires Mendes: Dr. Langlade, como foi sua formação odontológica e em Ortodontia?

 

Dr. Michel Langlade: Para começar, permita-me dizer-lhe, Eduardo, do prazer que tive em reencontrá-lo e, por seu intermédio saudar a todos os ortodontistas brasileiros. Como você sabe, graduei-me pela Faculdade de Odontologia de Clermont, e posteriormente diplomei-me em Ortodontia na Faculdade de Nantes, onde lecionei por mais de 10 anos. Desde o início senti-me atraído pela Ortodontia, graças à influência de um de meus mestres, o professor René Soulet, que incutiu em mim uma “mentalidade funcional” - fui nutrido com o “leite da funcionalidade”. Nessa época toda a Europa utilizava principalmente os ATIVADORES, enquanto os EEUU, além do Edgewise clássico, não conheciam mais do que as Forças Extra-bucais.

A Técnica de Begg começava a popularizar-se. Decidi então utilizar a Técnica de Johnson, do Arco Gemelar e logo passei para o Edgewise. Sedento de conhecimento e buscando respostas, procurei e tomei vários cursos, como o de BJORK, REITAN, MEYER, RUFF e HIXON.

Meu primeiro contacto com a Filosofia de RICKETTS foi através de CARL GUGINO em 1966 e logo depois com RUEL BENCH e com o próprio Ricketts. Em 1970 fui aos EEUU (Pittsburgh) para seguir os ensinamentos de VICKEN SASSOUNI, e a partir de então interessei-me profundamente pelos problemas funcionais, seguindo os cursos dos grandes mestres da época: H.GRAF, N.SHORE, S.RANFJORD, H.GELB, J.OKESON, E.WILLIANSON e R.SLAVICEK, além de muitos outros.

Em face da grande dificuldade para ter acesso a uma boa informação científica (na França não existia nessa época nenhum livro sobre Ortodontia Fixa), decidi preparar e escrever meu próprio livro. Depois de mais de 2 mil horas de trabalho, 30 horas por semana durante 2 anos, além do trabalho normal do consultório, a primeira edição de “THERAPEUTIQUE ORTHODONTIQUE” foi lançada em 1973. Foi um grande sucesso e outras três edições se seguiram. Vieram depois mais 4 outras obras, de igual sucesso e traduzidas em vários idiomas, inclusive em português (Editora Santos).

Durante todo esse tempo desenvolvi extensa atividade de pesquisa através da “Foundation For Orthodontic Research” (grupo de Ricketts nos EEUU). Mas eu diria que acima de qualquer outra coisa, minha formação é o resultado de um “estado de espírito”; sou e serei sempre um eterno estudante, incansavelmente curioso.

 

Dr. Pires Mendes: A França é hoje um dos líderes do mundo moderno. Como é a nossa especialidade em seu país?

 

Dr. Michel Langlade: A França, para uma população de 55 milhões de habitantes, conta com aproximadamente 2 mil ortodontistas. Cerca de 1.800 são filiados a “SOCIETÉE FRANÇAISE d’ORTHOPEDIE DENTO-FACIALE” e quanto as técnicas, a  “SOCIETÉE BIOPROGRESSIVE” é bastante expressiva (cerca de 800 membros). Os Tweedianos, os seguidores do “Straight-wire”, Ortopedistas e os que não têm condutas definidas compõem o restante.

Na França, para ser ESPECIALISTA QUALIFICADO em Ortodontia, deve-se seguir mais 4 anos de “Pós-graduação”. As aulas são ministradas durante 3 dias por semana  (4 vezes por mês).  Os exames de Admissão são extremamente rigorosos, bem como o são os cursos de Graduação em Odontologia das Universidades (as únicas entidades que podem oferecer a formação na especialidade). Tudo isto porque existe uma “Política de Limitação”: um número fechado, que tem por finalidade controlar e limitar imperativamente o Número de Ortodontistas às necessidades reais do país, para que todos tenham suas oportunidades decentes de trabalho.

 

Dr. Pires Mendes: Como você vê os últimos 20 anos da Ortodontia na França?

 

Dr. Michel Langlade: Vejo os últimos 20 anos aqui marcados pelas mesmas ocorrências que se observam em outras partes do mundo: uma permanente evolução em direção às pesquisas que buscam um DIAGNÓSTICO INFORMATIZADO que tende implacavelmente a “automatizar” o clínico. Muito disto está ainda relacionado com Traçados Cefalométricos elaborados por terceiros (que nem sequer viram o paciente), incorretos, incompletos, restritos apenas ao aspecto lateral e ignorando a coluna cervical, as estruturas cranianas, o osso hióide, etc., atendo-se exclusivamente aos números que representam as médias das medidas angulares ou lineares, longe da individualização e negligenciando completamente o aspecto FUNCIONAL.

O computador tornou-se um formidável instrumento de comunicação, de pesquisa, de organização, de venda e de promoção dos serviços. Nesse aspecto a evolução é altamente positiva. A busca cega da simplificação deu aos fabricantes de material ortodôntico a oportunidade de criar e “impor” facilidades “automáticas” na mecânica e muitos se precipitaram por esse caminho de panacéias, que pode em certas circunstâncias, ser perigoso.

Nossa especialidade fez um retrocesso, andou para trás, com a volta da utilização dos mecanismos que produzem forças que geram ATRITO, que eram usadas até pouco antes da segunda guerra mundial...

Quanto aos aparelhos FUNCIONAIS, estes são melhor usados na atualidade e sua indicação mais bem compreendida e mais correta. Eu creio que em todos os países estabeleceu-se uma espécie de consenso no que respeita a sua utilização. Existe uma atenção cada vez maior para os problemas Algo-disfuncionais (caracterizados por Algia= dor resultante da disfunção N. do T.).

Os ortodontistas se voltaram para um aspecto puramente mecanicista do tratamento ortodôntico, esquecendo-se por completo do papel da regulação e do controle do CRESCIMENTO desempenhado pela ATM. Finalmente, a Ergonomia tornou-se, por pura necessidade, a preocupação constante dos profissionais e fabricantes de equipamentos e evoluiu muito.

 

Dr. Pires Mendes: Como clínico, conferencista professor e autor, como você situaria a Terapia Bioprogressiva de RICKETTS na Europa?

 

Dr. Michel Langlade: Sem dúvida, ela é muito difundida e utilizada na França, na Itália, na Bélgica, na Alemanha, na Suíça, na Grécia e em Portugal. Possuo autoridade para afirmar isso por vir ensinando com regularidade em todos esses países há seguramente 3 décadas.

 

Dr. Pires Mendes: Eu conheço bem sua maneira pessoal de trabalhar, mas gostaria que você descrevesse a “Bioprogressiva a la LANGLADE”.

 

Dr. Michel Langlade: Você me faz uma pergunta difícil, pois eu busquei, desde o início de minha carreira jamais ser dogmático. Minha militância ao lado de RICKETTS significou aceitar todas as suas idéias, sem de início incorpora-las totalmente na minha prática, mas avalia-las, testa-las e utiliza-las sempre que se mostraram úteis aos meus pacientes. Depois, definir meus critérios de sucesso ou de fracasso sancionados pelo tempo.

Eu diria para resumir, que a “minha técnica” é talvez um pouco mais latina, mais imaginativa, mais criativa, mais adaptada individualmente.  Por exemplo, meus ARCOS BASE não têm de ser necessariamente simétricos como são os empregados por Ricketts, Bench ou Gugino. Eles podem ser assimétricos, de formas e conceitos BIOMECÂNICAMENTE INDIVIDUALIZADOS de acordo com as necessidades dos movimentos ortodônticos necessários. Meu conceito de SEGMENTAÇÃO dos arcos é utilizado o mais possível, assumindo formas as mais variadas e não convencionais. São os imperativos Biológicos e Biomecânicos que devem guiar o conceito de Segmentação das arcadas.

Um caso retrognático de Classe II D1, por exemplo, pode receber um Arco Base de Avanço dos incisivos inferiores e um Ativador de propulsão mandibular. Este é um exemplo bem claro de um casamento de duas técnicas para otimizar o resultado terapêutico que poderia ser  insuficiente com apenas uma delas.

Minha prioridade é MINIMIZAR a necessidade de cooperação do paciente e individualizar o tratamento em todos os seus aspectos.

É por essa razão que utilizo as forças NÃO-FRICCIONAIS (que não geram atrito), características do sistema mecânico SECCIONAL, o que torna o uso da Tração Extra-bucal extremamente restrito às finalidades ortopédicas e jamais como ancoragem.

 

Dr. Pires Mendes: Qual a sua porcentagem de Extrações com finalidade terapêutica?

 

Dr. Michel Langlade: É baixa, perto de 5%, pouco mais. Eu nunca fui do tipo extracionista – apenas por necessidade extrema. Lembre-se que utilizo a PREVISÃO DE CRESCIMENTO A LONGO TERMO (VTG até a Maturidade) de RICKETTS, desde 1970, elaborada manualmente. Graças a ela posso decidir de forma segura e inteligente EXTRAIR ou NÃO-EXTRAIR e quais os dentes a serem sacrificados, não necessariamente de forma simétrica. O uso criterioso do Seccionamento da mecânica permite eficiência e confia-bilidade biológica na terapêutica.

 

Dr. Pires Mendes: O tratamento ortodôntico é caro, na França?

 

Dr. Michel Langlade: Em média custa cerca de US$3.500,00 (dólares americanos) para pacientes infantis ou adolescentes e US$4.500,00 para adultos. Os custos são reembolsados obrigatoriamente em até US$1.500,00 pela Previdência Social (pacientes até 12 anos) e o restante pode ser coberto pelos Convênios (Mutuais). O sistema de reembolso é bastante eficiente e favorece pacientes e profissionais.

 

Dr. Pires Mendes: Como você vê o futuro?

 

Dr. Michel Langlade: Eu prevejo o futuro da Terapia Bioprogressiva como próspero, porque ela representa a base do pensamento no que respeita ao Diagnóstico e o Prognóstico no século atual. Todos os ortodontistas do mundo já estão adotando a abordagem global do paciente. A análise de RICKETTS, completada por medidas adicionais, tornar-se-á quadri-dimensional, incorporando o fator TEMPO. As Previsões de Crescimento serão ainda mais confiáveis para os casos de exceções e serão TRIDIMENSIONAIS e VOLUMÉTRICAS. O espírito de SEGMENTAÇÃO vai influenciar todas as técnicas. As maloclusões serão tratadas por setores das arcadas para desbloquear a dimensão vertical, permitindo que ela possa ser até mesmo corrigida pelo crescimento.

A CEFALOMETRIA, confiantemente automatizada, será VOLUMÉTRICA, permitindo imagens virtuais que permitirão visualizar simulações do tratamento. Os problemas respiratórios serão melhor compreendidos (e tratados) e as abordagens profiláticas de toda a problemática ortodôntica e ortopédica terão prioridades.

As Síndromes de Disfunção da ATM deverão representar cerca de 20% de nossos tratamentos. A GNATOLOGIA será integrada a todas as disciplinas da ciência odontológica. O registro AXIOGRÁFICO da oclusão possibilitará terminar-se todos os casos funcionalmente corretos.

A CIRURGIA vai compreender melhor suas abordagens, principalmente no que respeita à funcionalidade da oclusão. Cada vez mais dará atenção às desinserções e reinserções musculares relacionadas com as osteotomias.

E muito mais. Tudo será uma questão de tempo e da verdadeira compreensão das bases filosóficas e científicas que devem nortear nossa profissão.

A Futurologia não pode ser uma imagem clara e fixa – é uma visão móvel e cheia de vivacidade. 

 

Dr. Pires Mendes: “Merci Beaucoup” (muito obrigado).

 

 
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